sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Reginaldo Nasser / Bem-vindo à era da “guerra ao terror”


Sociedade

Rio 2016

Bem-vindo à era da “guerra ao terror”

Uma vasta operação governamental tenta tirar proveito das Olimpíadas para vender a ideia de que vivemos ameaçados – e a única saída é “mais segurança”
por Reginaldo Nasser — publicado 19/08/2016 17h18


Andre Borges/Agência Brasília/Fotos Públicas
Exército simula ação antiterrorismo em Brasília
Simulação de ação antiterrorismo na Estação Central do metrô de Brasília às vésperas dos Jogos Olímpicos


No final do mês de julho, iniciou-se no Rio Grande do Norte uma série de ataques que duraram mais de uma semana. Ao menos 50 veículos foram incendiados em cerca de 37 cidades (bloqueando inclusive o acesso ao aeroporto da capital, Natal), prédios públicos foram depredados e alvejados por armas de fogo e artefatos explosivos.
Uma centena de pessoas foram detidas acusadas de participarem dos atos. O governador, Robinson Faria (PSD), solicitou – e foi prontamente atendimento pelo presidente golpista – o envio de 1200 militares para ajudar as forças de segurança do Estado.
De acordo com a nota do Exército, que comandou as operações, “todos esses órgãos e instituições vão trabalhar de maneira integrada e em cooperação, utilizando as boas práticas empregadas nas operações inter-agências nos grandes eventos e em outras situações” (grifos meus).
Como você qualificaria esses atos? Vandalismo, crimes contra o patrimônio publico ou terrorismo?
Enquanto isso, em outro lugar do Brasil, todos estavam muito atentos nos preparativos para o inicio do megaevento das Olimpíadas, pois pairava uma grande ameaça no ar que já havia sendo alertada pela Agencia Brasileira de Inteligência (Abin).
A cada atentado ocorrido na Europa (no Oriente Médio, África e Ásia não vale), era feita uma pergunta que já induzia a uma resposta: pode acontecer no Brasil?
Depois de anunciar que havia pistas de “simpatizantes do radicalismo islâmico” no Brasil, aconteceu o que muitos esperavam:  foi anunciada a prisão de suspeitos
(Veja aqui o perfil dos suspeitos de “preparar” atos terroristas, ou de dar “suporte” ao terrorismo ou ainda de jurar “lealdade” ao Estado Islâmico).
Até o momento ninguém sabe ao certo do que se trata, pois os detidos estão incomunicáveis.
O fato é que, com esse ato, o governo brasileiro conseguiu o que queria.

Simulação antiterrorista
Megaeventos são uma oportunidade para novos experimentos de vigilância, controle e repressão

Em primeiro lugar, fez com que a mídia internacional olhasse para o Brasil com uma estranha sensação de que agora, nós (o Brasil) estamos no mesmo nível dos grandes. Isso mesmo, “o terrorismo islâmico” ameaça as grandes potências - e nós também! 
O site da rede de TV americana CNN inseriu a noticia alerta em vermelho (“breaking news”) em seu site. BBC, New York Times e outros fizeram o mesmo.
Ao mesmo tempo em que a narrativa da ameaça se difundia, também era construída a narrativa da segurança. Esse era o objetivo maior. Ministros da Defesa e da Justiça anunciavam, com pompa e circunstância, a detenção de pessoas vinculadas ao terrorismo internacional.
Nas palavras do ministro da Defesa, Alexandre de Moraes, é preciso “readequar os procedimentos e protocolos de defesa, segurança e inteligência. Nós vamos intensificar o sistema do controle de segurança. Teremos que aumentar o número de ‘checkpoints’, os pontos controles, além de outras medidas”.
Pronto, a narrativa e a linguagem utilizada pelos sistemas de segurança dos EUA, França, Inglaterra e Israel no Iraque, Afeganistão e Palestina já estão entre nós e poderão fazer parte de nosso cotidiano. Claro que já faz parte há muito tempo nas periferias, mas os “megaeventos” são uma oportunidade para novos experimentos de vigilância, controle e repressão.
Com a prisão dos “suspeitos” (reitero que é fundamental ler o perfil), o Brasil demonstrava que era capaz de lidar com a maior ameaça nos tempos atuais de forma preventiva e competente.
Essas narrativas que reproduzi acima, utilizando as palavras-chave da área de segurança internacional, associadas a uma série de imagens bombardeadas pelas emissoras de TV, cumprem a função primordial de nos dizer o que é ameaça, o que é insegurança e como devemos hierarquizar as ameaças.
Sim, a sensação de insegurança é, em grande medida, uma percepção que depende em grande parte da quantidade e qualidade do constante fluxo de informações que as pessoas recebem diariamente. Algumas regras são cumpridas à risca. Claro, a primeira dela é: não pense. Os problemas do mundo são muito simples – portanto, esqueça as sutilezas e o contexto. Experimente fazer alguns exercícios intelectuais como associar ideias, lembrar certos fatos, confrontar informações etc. Você verá que isso tem efeito devastador. Vamos lá!
1. Faça o seguinte. Volte ao primeiro paragrafo, que contém a descrição do que aconteceu em Natal, e qualifique os atos como vandalismo. Foi o que fizeram o governo e a mídia. Agora, compare com outro acontecimento e o nível de “ameaça” levando em consideração os atos, e não a qualificação. Num caso, bombas, incêndios etc; no outro mensagem na internet de “lealdade” a terroristas. Agora, pense se há algum caso no mundo em que o ato terrorista é anunciado previamente na internet. Leia o perfil dos detidos. Tente qualificá-los como “extremistas”, “agitadores”, “pessoas com problemas psicológicos”. Qual a sensação de ameaça? Agora, qualifique como terrorista”. Qual a sensação de temor? Percebeu o que as palavras podem fazer?
2. As forças de segurança demonstraram em simulação como poderiam abater um avião “suspeito”. Pergunte quais os critérios de suspeição? Algum avião com o símbolo do Estado Islamico? Há algum episódio recente de ataque aéreo em ações terroristas? Informo ainda que numa dessas simulações os aviões se chocaram! Afinal de contas há alguma ameaça real?
3. Os 3.500 agentes da Força Nacional que foram para o Rio realizar a segurança das instalações olímpicas, foram proibidos por “milicianos” de instalar internet no condomínio onde estão alojados. Isso porque, como é sabido, as milícias exercem o controle de território naquele local. Ah, mais um dado interessante: a grande mídia passou a dar noticias sobre “segurança” na parte de esportes. Será que não deveríamos perguntar sobre a sensação de segurança dos habitantes desse bairro? Experimente retirar a palavra “miliciano” e coloque terrorista. Percebeu?
4. O contingente que cuida da segurança no Rio de Janeiro é estimado em torno de 90 mil agentes (somando polícia e forças armadas). De acordo com o ministério da Justiça, os Jogos Olímpicos terão uma segurança compartilhada: 41% pública e 59% privada.
Pois bem, mesmo assim, houve furto de maquinas fotográficas de jornalistas na área de segurança nacional e ocorrência de “balas perdidas” em cabines de transmissão. Além disso, um membro da força de segurança foi morto por tiro de fuzil na favela da Maré.
Tendo essas informações, creio que podemos fazer duas perguntinhas que podem desmontar a arquitetura de segurança das olimpíadas: Quem esta sendo protegido? E do que esta sendo protegido?
5. Vi essa foto com a explicação de que o militar estava treinando para dar proteção às pessoas nas Olimpíadas. Parece que é uma bazuca. Em que circunstancias ele a usaria? E se aparecer um terrorista? Já pensou o que pode acontecer com um duelo de bazucas em frente ao Maracanã? Como vamos qualificar os que morrerem devido a ação dos agentes do Estado: efeito colateral (incidente). Já os que foram mortos pelo “outro” seriam vítimas de “terrorismo”.
Falamos de palavras e de coisas. Como não lembrar de Michel Foucault: “Aquilo que, numa dada época, recorta na experiência um campo de saber possível, define o modo de ser dos objetos que aí aparecem, arma o olhar cotidiano de poderes teóricos e define as condições em que se pode sustentar sobre as coisas um discurso reconhecido como verdadeiro”.
 
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Um comentário:

  1. Aqui se reproduz a linguagem de territórios ocupados,militarizados,para o cidadão comum significa mais insegurança adicionada às comuns que temos nas ruas. Balas "perdidas"...ah!

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