segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

James Petras / Eleições presidenciais de 2016 nos EUA: A revolta das massas

Eleições presidenciais de 2016 nos EUA: A revolta das massas

por James Petras
Bernie Sanders, cartoon de Taylor Jones.As eleições presidenciais de 2016 têm várias características únicas que desafiam a sabedoria comum acerca das práticas políticas na América do século XXI.

Claramente, a maquinaria política estabelecida – elites partidárias e seus apoiantes corporativos – perderam (em parte) o controle político do processo de nomeação e confrontam-se com candidatos "não desejados" que estão a fazer campanha com programas e pronunciamentos que polarizam o eleitorado.

Mas há outros factores mais específicos, os quais excitaram o eleitorado e falam à história recente dos EUA. Estes factores auguram e reflectem um realinhamento da política estado-unidense.

Neste ensaio, esboçaremos estas mudanças e suas consequências mais vastas para o futuro da política americana.

Examinaremos como estes factores afectam cada um dos dois principais partidos.

Política do Partido Democrata: O contexto do realinhamento 

"ascensão e declínio" do presidente Obama fez grave mossa no apelo à política de identidade – a ideia de que "identidades" enraizadas na etnia, raça e género podem modificar o poder do capital financeiro (Wall Street), dos sionistas e dos responsáveis do "estado policial". O desencanto claramente manifestado do eleitor para com "políticas de identidade" abriu a porta para políticas de classe , de uma espécie específica .

O candidato Bernie Sanders apela directamente aos interesses de classe dos trabalhadores e empregados assalariados. Mas a "questão de classe" emerge dentro do contexto de umapolarização eleitoral e, como tal, ela não reflecte uma verdadeira "polarização de classe", ou ascensão da luta de classe nas ruas, fábricas ou escritórios.

De facto, a polarização "de classe" eleitoral é um reflexo das recentes derrotas de grandes sindicatos no Michigan, Wisconsin e Ohio. A confederação sindical (AFL-CIO) quase desapareceu como factor social e político, representando apenas 7% dos trabalhadores do sector privado. Os eleitores da classe trabalhadora estão bem conscientes de que líderes sindicais de topo, que recebem em média US$500 mil por ano em salários e benefícios, são profundamente protegidos na elite do Partido Democrata. Enquanto trabalhadores individuais e sindicatos locais são apoiantes activos da campanha de Sanders, eles agem assim como membros de um movimento eleitoral multi-classista amorfo e não como um "bloco dos trabalhadores" unificado.

O movimento eleitoral de Sanders não teve origem num movimento social nacional . O movimento da paz está virtualmente moribundo, os movimentos de direitos civis são fracos, fragmentados e localizados; o movimento "Black Lives Matter" atingiu o pico e declinou enquanto o "Occupy Wall Street Movement" é uma memória distante.

Por outras palavras, estes movimentos recentes, na melhor das hipóteses, proporcionam alguns activistas e algum ímpeto à campanha eleitoral de Sanders. Sua presença destaca algumas das questões que o movimento eleitoral de Sanders promove na sua campanha.

De facto, o movimento eleitoral de Sanders não resultou de movimentos de massa existentes, em curso. Em certa medida ele preenche o vácuo político resultante da sua morte. A insurgência eleitoral reflecte as derrotas de responsáveis sindicais aliados aos actuais políticos democratas, bem como as limitações das tácticas de "acção directa" dos movimentos "Black Lives Matter" e "Occupy".

Uma vez que o movimento eleitoral de Sanders não desafia directamente e de imediato os lucros capitalistas e as alocações do orçamento público ele não tem sido sujeito à repressão estatal. Autoridades repressivas calculam que esta "agitação" de actividade eleitoral perdurará apenas por uns poucos meses e a seguir recuará para dentro do Partido Democrata ou da apatia do eleitor. Além disso, eles são constrangidos pelo facto de dezenas de milhões de apoiantes de Sanders estarem dispersos por todos os estados e não concentrados em alguma região.

O movimento eleitoral de Sanders agrega centenas de milhares de micro-lutas locais e permite exprimir a insatisfação de milhões com o sofrimento de classe, sem risco ou custo (como da perda de emprego ou de repressão policial) para os participantes. Isto está em absoluto contraste com a repressão nos lugares de trabalho ou nas ruas das cidades.

A polarização eleitoral reflecte polarizações sociais horizontais (de classe) e verticais (intra-capitalistas).

Abaixo dos 10% da elite, e especialmente entre a classe média jovem, a polarização política favorece o movimento eleitoral de Sanders. Os patrões sindicais, os membros do Black Congressional Caucus e o establishment latino abraçam a ungida escolha da elite política do Partido Democrata: Hilary Clinton. Apesar disso, latinos jovens, mulheres trabalhadoras e sindicalistas da base apoiam o movimento eleitoral insurgente. Sectores significativos da população afro-americana, os quais deixaram de progredir (e realmente regrediram) sob o democrata presidente Obama ou viram a repressão policial expandir-se sob o "Primeiro presidente negro", estão a voltar-se para a campanha insurgente de Sanders. Milhões de latinos, desencantados com os seus líderes, os quais estão ligados à elite democrata e nada fizeram para impedir as deportações maciças sob o governo Obama, são uma base potencial de apoio para "Bernie".

Entretanto, o sector social mais dinâmico no movimento eleitoral de Sanders é o dos estudantes, os quais estão excitados pelo seu programa de educação superior gratuita e de fim da servidão da dívida após a licenciatura.

O mal-estar destes sectores encontra sua expressão na "revolta respeitável da classe média": uma rebelião de eleitores, os quais temporariamente mudaram para a esquerda o eixo do debate político dentro do Partido Democrata.

O movimento eleitoral de Sanders levanta questões fundamentais de desigualdade de classe e de injustiça racial no sistema legal, policial e económico. Ele destaca a natureza oligárquica do sistema político – mesmo quando o movimento liderado por Sanders tenta utilizar as regras do sistema contra os seus possuidores . Estas tentativas não têm tido muito êxito dentro do aparelho do Partido Democrata, onde os patrões do Partido já atribuíram a Clinton centenas dos chamados "mega-delegados", "não eleitos" – apesar dos êxitos de Sanders nas primárias iniciais.

A própria força do movimento eleitoral tem uma fraqueza estratégica: é da natureza de movimentos eleitorais aglutinarem-se para eleições e dissolverem-se após a votação.

A liderança de Sanders não tem feito qualquer esforço para construir um movimento social de massa e nacional que possa continuar as lutas de classe e sociais durante a após as eleições. De facto, a promessa de Sanders de apoiar a liderança estabelecida do Partido Democrata se perder a nomeação em favor de Clinton levará a uma profunda desilusão política entre os seus apoiantes e uma fragmentação do movimento eleitoral. O cenário pós-convenção, especialmente no caso de "super-delegados" coroarem Clinton apesar de uma vitória popular de Sanders nas primárias individuais, será muito destrutivo.

Donald Trump, cartoon de Fernão CamposTrump e a "Revolta à direita" 

A campanha eleitoral de Trumpo tem muitas das características de um movimento nacionalista-populista latino-americano. Tal como o movimento peronista argentino, ele combina proteccionismo, medidas económicas nacionalistas que apelam aos pequenos e médios fabricantes e operários industriais deslocados com o populista e de direita "chauvinismo da grande nação". 

Isto reflecte-se nos ataques de Trump à "globalização" – um substitutivo do "anti-imperialismo"peronista.

O ataque de Trump à minoria muçulmana nos EUA é um abraço tenuamente velado ao fascismo clerical de direita.

Onde Peron fazia campanha contra"oligarquias financeiras" e a invasão de "ideologias estrangeiras", Trump desdenha das "elites" e denuncia a "invasão" de imigrantes mexicanos.

O apelo de Trump tem raízes na profunda raiva amorfa de classe média em movimento descendente, a qual não tem ideologia ... mas está cheia de ressentimento com o seu declínio de status, estabilidade em desintegração e famílias afligidas pela droga (como testemunham as preocupações abertamente manifestadas por eleitores brancos na recente primária de New Hampshire).

Trump projecta poder pessoal para trabalhadores os quais estão travados por sindicatos impotentes, grupos cívicos desorganizado e associações locais de negócios marginalizadas, todos incapazes de conter a pilhagem, o poder e a corrupção em grande escala dos trapaceiros financeiros que circulam entre Washington e a Wall Street com impunidade total.

Estas classes "populista" obtêm estímulos indirectos do espectáculo de Trump destroçando e esbofeteando políticos de carreira e elites económicas afins, mesmo quando ele apregoa seus êxitos capitalistas.

Eles apreciam seu desafio simbólico à elite político quando ostenta suas próprias credenciais capitalistas.

Para muitos dos seus apoiantes suburbanos ele é o "Grande moralizador", o qual no seu excesso de zelo, ocasionalmente, comete gaffes "perdoáveis" devido à sua exuberância – um " Oliver Cromwell " bruto do século XXI.

Na verdade, também pode haver um apelo étnico-religioso menos aberto na campanha de Trump: Sua identidade branco-anglo-saxão-protestante (WASP) apela a estes mesmos eleitores face à sua aparente marginalização. Estes "trumpistas" não são cegos para o facto de que nem um único juiz WASP senta-se no Supremo Tribunale há poucos WASPs, se é que algum, entre os responsáveis económicos de topo no Tesouro, Comércio ou no Fed (Lew, Fischer, Yellen, Greenspan, Bernacke, Cohen, Pritzker etc.). Apesar de Trump não ostentar a sua identidade, ela facilita seu apelo ao eleitor.

Entre os eleitores WASP, os quais ressentem silenciosamente os salvamentos (bailouts) da Wall Street e a visível posição privilegiada de católicos, judeus e afro-americanos na administração Obama, a condenação pública e directa de Trump do presidente Bush por deliberadamente desencaminhar a nação ao invadir o Iraque (e a implicação de traição), foi um grande feito.

O apelo nacional-populista de Trump combina-se com o seu militarismo belicoso e autoritarismo truculento. A sua defesa pública da tortura e de controles da polícia de estado (para "combater o terrorismo") apela a uma direita pró militar. Por outro lado, suas aberturas amistosas ao presidente Putin, da Rússia, ("um sujeito duro desejoso de enfrentar outro") e o seu apoio ao fim do embargo cubano apelam às elites de negócios voltadas para o comércio. Sua defesa da retirada de tropas estado-unidenses da Europa e da Ásia apela a eleitores da "fortaleza América", ao passo que a sua defesa do "tapete de bombas" para o ISIS apela aos extremistas nucleares. Curiosamente, o apoio de Trump à Segurança Social e ao Medicare, bem como a sua defesa de cobertura médica para os indigentes e o seu reconhecimento aberto de serviços vitais de Paternidade Planeada para mulheres pobres, apela a cidadãos mais velhos, conservadores compassivos e independentes.

Trump faz a amalgama esquerda-direita: Apelos proteccionistas e pró negocios, propostas anti-Wall Street e a favor do capitalismo industrial, defesa dos trabalhadores estado-unidenses e ataques a trabalhadores latinos e imigrantes muçulmanos romperam as fronteiras tradicionais entre políticas populares e de direita do Partido Republicano.

"trumpismo" não é uma ideologia coerente , mas sim uma mistura volátil de "posições improvisadas", adaptadas a apelar a trabalhadores marginalizados, classes médias ressentidas (WASPs marginalizados) e, acima de tudo, àqueles que se sentem não representados pelos republicanos da Wall Street e por políticos liberais dos democratas baseados em políticas de identidade (negros, hispânicos, mulheres e judeus).

O movimento de Trump é baseado num culto da personalidade : este tem enorme capacidade para convocar reuniões de massa sem organização de massa ou uma ideologia social coerente.

Sua força fundamental é a sua espontaneidade, novidade e o foco hostil sobre elites estratégicas.

Sua fraqueza estratégica é a falta de uma organização que possa ser mantida após o processo eleitoral. Há poucos quadros e militantes "trumpistas" entre os fãs que o adoram. Se Trump perder (ou for defraudado na sua nomeação por um "candidato de unidade" empurrado pela elite do Partido) sua organização será dissipada e fragmentada. Se Trump vencer a nomeação republicana ele extrairá apoio da Wall Street, especialmente se confrontado com uma candidatura democrata de Sanders. Se vencer a eleição geral e se tornar presidente, procurará fortalecer o poder executivo e avançar para uma presidência"bonapartista". 

Conclusão 

A ascensão de um movimento social-democrata dentro do Partido Democrata e a ascensão de um movimento nacional-populista de direita sui generis no Partido Republicano reflecte o eleitorado fragmentado e as profundas fissuras verticais e horizontais que caracterizam a estrutura etno-classista dos EUA. Comentadores super-simplificam grosseiramente quando reduzem a revolta a expressões incoerentes de "raiva". 

O estilhaçamento do controle da elite estabelecida é um produto de ressentimentos de classe e étnicos profundamente sentidos , de antigos grupos privilegiados que experimentam umamobilidade declinante, de homens de negócios locais que experimentam a bancarrota devido à "globalização" (imperialismo) e do ressentimento de cidadãos quanto ao poder do capital financeiros (os bancos) e do seu controle esmagador de Washington.

As revoltas eleitorais à esquerda e à direita podem dissipar-se mas terão plantado as sementes de uma transformação democrática ou de uma revitalização nacionalista-reaccionária. 
25/Fevereiro/2016
O original encontra-se em www.globalresearch.ca/... 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Mudança na posição do Planalto em relação ao pré-sal gera críticas

Mudança na posição do Planalto em relação ao pré-sal gera críticas


Acordo com oposição levou à aprovação, pelo Senado, de projeto que acaba com exclusividade da Petrobras na exploração das novas reservas.
25/02/2016
Da Redação

 
Lindbergh Farias: "prejuízo enorma ao Brasil" | Crédito: Edilson Rodrigues/Ag. Senado 
O acordo entre o Planalto e membros de partidos da oposição que viabilizou a aprovação do Projeto de Lei do Senado (PLS) 131/2015 têm recebido críticas de trabalhadores da Petrobras e de parlamentares da base aliada. A proposta extingue a obrigatoriedade de participação da estatal em áreas do pré-sal.
O governo fechou acordo com a bancada do PSDB e parte dos peemedebistas para aprovar substitutivo elaborado por Romero Jucá (PMDB-RR), relator substituto do projeto. O parecer aceito é um substitutivo ao projeto original do senador José Serra (PSDB-SP) que propunha o fim da participação obrigatória da Petrobras na exploração do pré-sal, mas não dava a ela a prioridade sobre os campos.
Pelo substitutivo, caberá ao Conselho Nacional de Política Energética oferecer à Petrobras a exploração mínima de 30% em cada campo e a empresa se manifestará se aceita ou não a responsabilidade.
Críticas
A aprovação do texto, entretanto, enfrentou resistência dos próprios parlamentares petistas na Casa. Após a nova orientação do governo em relação ao tema, senadores mantiveram publicamente suas posições contrárias. A Federação Única dos Petroleiros (FUP) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT) também criticaram o governo e a proposta aprovada.
Em nota, a FUP diz que a “ação acovardada do governo” pode “custar caro à nação e ao povo brasileiro”. “Governo Dilma renunciou a política de Estado no setor petróleo e sucumbiu de vez às imposições do mercado. […] É uma traição aos trabalhadores, aos movimentos sociais e a todos os setores da sociedade organizada que cerram fileiras em defesa da Petrobras e da soberania nacional, desde a campanha 'O petróleo é nosso'”, opina, no documento.
Vagner Freitas, presidente nacional da CUT, afirma em nota que “fazer acordo para aprovar o projeto de Serra é o sinal mais claro de que o governo se rendeu às chantagens e imposições do Parlamento e do mercado, rompendo a frágil relação que tinha com os movimentos sociais e sindical, criando um constrangimento para os senadores que mantiveram a posição em defesa do Brasil”. 
“O governo precisa aprender que é preferível perder com dignidade do que ganhar fazendo concessões de princípios”, também escreve Freitas, indicando que a central resistirá à aprovação do projeto. “A CUT, a FUP e os movimentos sociais estarão nas ruas para lutar contra este projeto que entrega a maior riqueza do povo brasileiro as multinacionais estrangeiras”, pontua.
Petistas
“Foi realmente duro receber no final do processo de votação uma proposta do governo para flexibilizar a participação da Petrobras na exploração do pré-sal, maior reserva de petróleo do mundo recentemente descoberta”, afirmou Gleisi Hoffmann (PR) em sua rede social na internet.
Já Lindbergh Farias, senador pelo Rio de Janeiro, uma das vozes mais contundentes contra o projeto no Senado, pediu que o governo reassuma sua posição original em relação ao assunto. “A mudança de orientação do governo, durante a tarde de hoje [24], nos deixou perplexos e desarmou nossa luta, abrindo mão do enfrentamento em prol de um péssimo acordo com o PSDB que causa um prejuízo enorme ao Brasil. A presidenta Dilma precisa voltar para a posição original do governo e vetar o PLS 131!”, criticou em sua rede social.
Valter Pomar, dirigente nacional da tendência petista Articulação de Esquerda, em seu blog, afirmou que a luta contra o impeachment não deve ser um obstáculo a realização de críticas ao governo quando necessário. “É uma barbaridade comprometer nossos parlamentares, nosso Partido e verdadeiros aliados, com medidas que afetam a democracia, a soberania e o bem estar social. Defender a presidenta Dilma e as liberdades democráticas contra o golpismo, sim e sempre; mas isto não supõe nem exige defender o indefensável”.
Brasil de Fato

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Concluído o rastreio ATLASGAL da Via Láctea

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Concluído o rastreio ATLASGAL da Via Láctea



Uma nova imagem espetacular da Via Láctea foi divulgada para marcar o término do rastreio ATLASGAL — APEX Telescope Large Area Survey of the Galaxy. O telescópio APEX, instalado no Chile, mapeou pela primeira vez no submilímetro — a região do espectro eletromagnético entre a radiação infravermelha e as ondas de rádio — a área total do plano galático visível a partir do hemisfério sul, com mais detalhes do que obtido em rastreios recentes feitos a partir do espaço. O telescópio pioneiro APEX de 12 metros permite aos astrônomos estudar o Universo frio: gás e poeira com temperaturas de apenas algumas dezenas de graus acima do zero absoluto.

APEX, o telescópio Atacama Pathfinder EXperiment, situa-se a 5100 metros de altitude no planalto do Chajnantor, na região chilena do Atacama. O rastreio ATLASGAL tirou partido das características únicas neste telescópio para fornecer imagens detalhadas da distribuição de gás denso e frio situado no plano da Via Láctea. As novas imagens incluem a maior parte das regiões deformação estelar existentes na Via Láctea austral. Os novos mapas ATLASGAL cobrem uma área do céu de 140 graus de comprimentos por 3 de largura, quatro vezes maior que os primeiros mapas divulgados deste rastreio. Os novos mapas têm também uma qualidade superior, já que algumas áreas foram novamente observadas para se obter uma qualidade de dados mais uniforme em toda a área mapeada.

O rastreio ATLASGAL é o projeto do APEX com maior sucesso, com cerca de 70 artigos científicos associados já publicados. O seu legado irá expandir-se ainda mais agora que todos os dados foram reduzidos e colocados à disposição de toda a comunidade astronômica. No coração do APEX encontram-se os seus instrumentos muito sensíveis. Um deles, a câmera 
LABOCA (LArge BOlometer Camera), foi usado no rastreio ATLASGAL. A LABOCA mede a radiação capturada registrando os minúsculos aumentos de temperatura que esta causa nos seus detectores, podendo assim detectar emissão das faixas escuras de poeira fria que obscurecem a radiação estelar.

Esta nova divulgação dos dados ATLASGAL vem complementar observações obtidas com o satélite
Planck da ESA. A combinação dos dados Planck e APEX permitiu aos astrônomos detectar radiação emitida ao longo de uma maior área do céu e estimar assim a fração de gás denso existente na Galáxia interna. Os dados ATLASGAL foram também utilizados para criar um censo completo de nuvens frias de grande massa, onde novas gerações de estrelas estão se formando.

O ATLASGAL dá importantes pistas sobre onde a próxima geração de estrelas de grande massa e aglomerados se formam. Ao combinar estas observações com os dados Planck, podemos agora obter uma conexão com as estruturas de larga escala de nuvens moleculares gigantes,” diz Timea Csengeri do Instituto Max Planck de Rádio Astronomia (MPIfR), Bonn, Alemanha, que liderou o trabalho de combinação dos dados APEX e Planck.

O telescópio APEX 
celebrou recentemente dez anos de pesquisas bem sucedidas do Universo frio. Este telescópio desempenha um papel importante não só como desbravador de terreno mas também como infraestrutura complementar do ALMA, o Atacama Large Millimeter/submillimeter Array, que também se encontra situado no planalto do Chajnantor. O APEX baseia-se numa antena protótipo construída para o projeto ALMA e tem encontrado muitos objetos que o ALMA pode depois estudar com mais detalhe.

Leonardo Testi do ESO, membro da equipe ATLASGAL e Cientista de Projeto europeu do ALMA, conclui: “O ATLASGAL permitiu-nos obter um novo olhar sobre o meio interestelar denso da nossa própria galáxia, a Via Láctea. A divulgação do rastreio completo abre a possibilidade de trabalhar sobre esta incrível base de dados, esperando-se novas descobertas. Muitas equipes de cientistas já estão utilizando os dados ATLASGAL para planejar novas observações com o ALMA.”

Fonte: ESO

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Capitalismo: competição, conflito, crise

Capitalismo: competição, conflito, crise 
– Breve resumo do livro


por Anwar Shaikh [*]
Anwar ShaikhA competição e o conflito são características intrínsecas das sociedades modernas, a desigualdade é persistente e as ascensões e contracções tornam-se resultados recorrentes através de toda a história capitalista. A intervenção do estado modificou estes padrões mas não os aboliu. O meu livro é uma tentativa de mostrar que se pode explicar este e muitos outros padrões observador como resultante de forças intrínseca que modelam e direccionam os resultados. Os factores sociais e institucionais desempenham um papel importante mas, ao mesmo tempo, estes factores são eles próprios limitados pelas forças dominantes que surgem do comportamento "busca do ganho", do qual o motivo lucro é o mais importante.

Estes elementos dominantes criam um campo de força invisível que modela e direcciona os resultados capitalistas. A abordagem do livro é muito diferente tanto da teoria económica ortodoxa como dos elementos dominantes na tradição heterodoxa. Não há qualquer referência que seja a uma estrutura idealizada enraizada em firmas perfeitas, indivíduos perfeitos, conhecimento perfeito, comportamento perfeitamente egoísta (selfish),expectativas racionais e os assim chamados resultados óptimos. Nem há qualquer necessidade de explicar padrões particulares observador quando afastamentos deste estado edénico surgem de "imperfeições" de várias espécies. O livro desenvolve a teoria microeconómica e macroeconómica a partir do comportamento real e da competição real, e utiliza isto para explicar para explicar padrões empíricos na oferta e procura microeconómica, nos salários e lucros, na mudança tecnológica, nos preços relativos de bens e serviços, taxas de juro, preços de obrigações e de acções, taxas de câmbio, padrões de comércio internacional, crescimento, desemprego, inflação, desigualdade nacional e pessoal, e a recorrência de crises gerais tais como a actual começada em 2007-2008.
Conteúdo do livro: 
PART I. FOUNDATIONS OF THE ANALYSIS
  1. Introduction
  2. Turbulent Trends and Hidden Structures
  3. Microfoundations and Macro Patterns
  4. Production and Costs
  5. Exchange, Money, and Price
  6. Capital and Profit
PART II. REAL COMPETITION
  7. The Theory of Real Competition
  8. Debates on Perfect and Imperfect Competition
  9. Competition and Interindustrial Relative Prices
  10. Competition, Finance, and Interest Rates
  11. International Competition and the Theory of Exchange Rates
PART III. TURBULENT MACRODYNAMICS
  12. The Rise and Fall of Modern Macroeconomic
  13. Classical Macrodynamics
  14. The Theory of Wages and Unemployment
  15. Modern Money and Inflation
  16. Growth, Cycles, and Crises
  17. Summary and Conclusions

[*] Paquistanês, professor de Teoria Económica, New School for Social Research, New York, Editor do Cambridge Journal of Economics. De 2000 a 2005, foi membro da equipe de Macro Modelação no Levy Economics Institute of Bard College.

O livro está disponível por US$38,50 através do cupão de desconto oferecido aqui . As encomendas são efectuadas em www.oup.com .

– "A primeira grande depressão do século XXI", um dos trabalhos anteriores de Anwar Shaikhde (2010), pode ser descarregado em resistir.info/livros/livros.html

O original encontra-se em www.anwarshaikhecon.org/... 


Este resumo encontra-se em http://resistir.info/ .

Tirar a Petrobras do pré-sal é rifar o futuro do País

Opinião

Tirar a Petrobras do pré-sal é rifar o futuro do País

Projeto aprovado pelo Senado comprometerá investimentos cruciais em saúde e educação
por Lindbergh Farias — publicado 25/02/2016 14h14
Divulgação
O Senado pode se enganar, mas o povo brasileiro não pode ser enganado. O que aconteceu na noite de quarta-feira 24 foi lamentável. O projeto do senador José Serra (PSDB-SP) pretendia retirar da Petrobras a condição de operadora única do pré-sal. O “substitutivo” do senador Romero Jucá (PMDB-RR), aprovado pelo Senado, fez exatamente isso: retirou da Petrobras a sua condição de operadora única. Assim, o “substitutivo” substituiu seis por meia dúzia.
Além de substituir seis por meia dúzia, o texto aprovado foi adornado com algumas miçangas retóricas para edulcorar o presente de grego, que falam da “preferência” que será oferecida obrigatoriamente à Petrobras. Ora, tal preferência dependerá, pelo próprio texto aprovado, das autoridades de plantão. Se elas forem favoráveis, a Petrobras poderá operar o pré-sal. Se elas não forem favoráveis, a Petrobras será excluída.
Se o objetivo era acelerar os investimentos no pré-sal, bastava flexibilizar o percentual de participação mínima da Petrobras (30%), como defendeu a emenda apresentada pelo senador Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE).
Aparentemente, isso não bastava. O fato é que a garantia legal esfumou-se. Era isso que se queria. Esse objetivo maior foi alcançado.
E isso é trágico. Ter a nossa empresa estatal, um orgulho nacional, como operadora única do pré-sal não é apenas importante para a Petrobras. É fundamental para o Brasil.
O domínio estratégico que os países produtores e exportadores exercem sobre o petróleo se assenta, além da nacionalização das jazidas, em dois grandes pilares complementares: o regime de partilha e grandes operadoras nacionais.
No regime de concessão, que impera ainda no pós-sal, o petróleo deixa de ser propriedade do país, assim que ele entra na broca da empresa concessionária, que faz com ele o que quiser. No regime de partilha, o país mantém a propriedade do óleo, mesmo depois de ele ser extraído.
Assim, é o Estado quem decide o que será feito e em quais proporções. O Estado dita o ritmo da produção e decide que quantidade estocar, exportar, refinar no país e irrigar uma vasta cadeia produtiva. A empresa é simplesmente remunerada pelos serviços prestados.
Isso é fácil de entender. O que aparentemente não é muito fácil de entender é que esse domínio estratégico do petróleo não funciona, ou não funciona bem, sem uma grande operadora nacional.
Quando os países produtores decidiram nacionalizar as suas jazidas, revolucionando o mercado mundial de petróleo, que antes era inteiramente dominado pelas multinacionais dos países desenvolvidos, eles se preocuparam também em constituir grandes operadoras nacionais. Por quê?
Porque eles sabiam que, sem uma grande operadora, eles não teriam efetivo acesso às informações cruciais sobre as suas jazidas, como as relacionadas aos custos efetivos de produção, às remunerações devidas, ao verdadeiro potencial das áreas prospectadas. Ora, não se tem domínio estratégico do petróleo sem o domínio dessa informação.
Ademais, sem operar é impossível desenvolver tecnologia própria. Também não se tem domínio estratégico do petróleo sem domínio mínimo de tecnologia.  Não bastasse, sem operadora local é impossível se estimular cadeias nacionais de produção, gerando renda e emprego para população.
O resultado é que, hoje, ao contrário do que acontecia até a década de 60, as maiores empresas de petróleo e gás do mundo são estatais. São as chamadas national oil companies (NOCs). Entre elas, estão a Saudi Aramco (Arábia Saudita), a NIOC (Irã), a KPC (Kuwait), a ADNOC (Abu Dhabi), a Gazprom (Rússia), a CNPC (China), a PDVSA (Venezuela), a Statoil (Noruega), a Petronas (Malásia), a NNPC (Nigéria), a Sonangol (Angola), a Pemex (México) e a Petrobras.
Em uma estimativa bem conservadora, feita em 2008, antes de o pré-sal ser bem conhecido, as NOCs já dominavam 73% das reservas provadas de petróleo do mundo e respondiam por 61% da produção de óleo. Segundo a Agência Internacional de Energia, a tendência é a de que as NOCs sejam responsáveis por 80% da produção adicional de petróleo e gás até 2030, pois elas dominam as reservas.
Essa é a realidade do mercado mundial do petróleo. Realidade que a maioria dos senadores desconheceu na votação. Tal maioria de senadores parece ter desconhecido também princípios de lógica e aritmética básica. Os argumentos utilizados foram inacreditáveis.
Argumentaram, por exemplo, que a Petrobras não pode explorar o pré-sal a contento porque está endividada. Ora, todas as empresas de petróleo e gás estão atualmente, em maior ou menor grau, endividadas e passando por crises. A dívida da Petrobras foi ocasionada pelos investimentos que ela teve de fazer no pré-sal e por fatores cambiais amplamente conhecidos. Não tem nada a ver com corrupção, que deve ser um assunto a ser tratado em delegacias de polícia, não nas estratégias econômicas do País.
A dívida é de fato volumosa, mas isso não impede a Petrobras de ser a operadora única do pré-sal. Além de ser uma empresa operacionalmente muito eficiente e lucrativa, por ter excelência reconhecida internacionalmente no desenvolvimento de tecnologia, a Petrobras tem um lastro patrimonial que a protege: o pré-sal.
Segundo as últimas estimativas feitas pelo Instituto Nacional de Óleo e Gás da UERJ, o pré-sal contém 176 bilhões de barris, óleo suficiente para cobrir, sozinho, cinco anos de consumo mundial de hidrocarbonetos. Mesmo com o barril com preço artificialmente baixo de 30 dólares, basta fazer uma continha simples para ver que a atual dívida da Petrobras não é problema incontornável, como afirmam os desinformados.
A dívida poderá ser incontornável, contudo, se a legislação for efetivamente modificada. A lei atual, que se quer revisar, assegura à nossa operadora, além da remuneração imediata de todos os seus custos e investimentos, participação mínima obrigatória de 30% nessa riqueza extraordinária. Essa é uma garantia essencial para a Petrobras.
Porém, ao se retirar da Petrobras a condição de operadora única, se retira também essa garantia fundamental e se investe em sua fragilização e em sua possível privatização.
Mas a questão essencial aqui não é simplesmente proteger a Petrobras. É proteger os interesses do Brasil. A participação da Petrobras no pré-sal deve ser assegurada e protegida porque isso é crucial para o desenvolvimento brasileiro.
cadeia de petróleo e gás, comandada pela Petrobras, é a maior cadeia produtiva do País, responsável por cerca de 20% do PIB brasileiro e 15% dos empregos gerados.
Tal cadeia é sustentada por uma política de conteúdo nacional, implantada no primeiro governo Lula, que gera demanda robusta em setores-chave como o da construção civil pesada e a indústria naval, só para citar alguns poucos. Em 2000, a indústria náutica e os estaleiros empregavam no Brasil somente 1.910 pessoas. Em 2014, mesmo com a crise, esse setor já empregava mais de 82.000 pessoas.
Pois bem, tal cadeia produtiva não se sustentará e não se desenvolverá sem a Petrobras como operadora do pré-sal. Por quê?
Porque empresas multinacionais demandam insumos e serviços fundamentalmente em seus países de origem. A Chevron ou a Shell não comprarão navios, plataformas, sondas, ou qualquer outra coisa no Brasil.
Sem a Petrobras como grande operadora não se sustentará também o desenvolvimento de tecnologia nacional nessa área estratégica. A tecnologia se desenvolve na operação e para a operação. Foi operando que a Petrobras se transformou na empresa que detém a mais avançada tecnologia de prospecção e exploração de petróleo em águas profundas e ultraprofundas, ganhadora, por três vezes, do OTC Distinguished Achievement Award, maior prêmio internacional concedido às empresas de petróleo que se distinguem em desenvolvimento tecnológico. Todo esse capital estratégico poderá se esfumar, caso a Petrobras seja retirada do pré-sal.
Sem a Petrobras como grande operadora, não se sustentará a alavancagem de nosso desenvolvimento com a riqueza desse recurso extraordinário que é o pré-sal. Poderemos até vender mais rapidamente petróleo cru. Mas isso não contribuirá para o nosso desenvolvimento.
Ao contrário, essa lógica imediatista e predatória poderá nos conduzir à temível doença holandesa, caracterizada pelo consumo perdulário de bens de consumo importados e pela apreciação artificial da moeda que extermina a produção local.
Sem a Petrobras como grande operadora, o financiamento da Educação e da Saúde com os royalties do petróleo fica também parcialmente comprometido. Em suma, sem a Petrobras como grande operadora, nosso futuro fica comprometido.
Ainda há tempo de se corrigir esse erro, na Câmara, nas ruas e no debate público. Mas é preciso se apressar: o futuro do Brasil está se decidindo agora, em projetos como esse.
A restauração neoliberal já está em curso. Precisamos, todos nós, escolher nosso lado. E o povo brasileiro precisa saber o que estão decidindo em seu nome. O povo brasileiro precisa saber que estão rifando seu futuro.
CartaCapital

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Paul Craig Roberts / O capitalismo na sua fase autofágica

O capitalismo na sua fase autofágica

O ocidente está reduzido a canibalizar-se


por Paul Craig Roberts [*]
Rubens, 'Saturno devorando seu filho', 1636.Eu próprio, Michael Hudson, John Perkins e alguns outros, temos relatado os múltiplos saqueios de povos pelas instituições econômicas ocidentais, principalmente os grandes bancos de Nova Iorque com a ajuda do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Os países do terceiro mundo foram e são saqueados ao serem induzidos em certos planos de desenvolvimento. A governos crédulos e confiantes é-lhes dito que podem tornar os seus países ricos contraindo empréstimos externos para implementarem planos de desenvolvimento que as potências ocidentais apresentam e que teriam em resultado desse desenvolvimento económico suficientes receitas fiscais para pagamentos dos empréstimos externos.

Raramente, se alguma vez, isso acontece. O que acontece é que o país se torna endividado até ao limite, muito para além dos seus ganhos em moeda estrangeira. Quando o país é incapaz de satisfazer o serviço de dívida, os credores enviam o FMI ao governo endividado para dizer que o FMI poderá proteger o rating financeiro do governo emprestando-lhe dinheiro para pagar aos seus credores bancários. No entanto, as condições impostas são que o governo deverá tomar as necessárias medidas de austeridade a fim de poder pagar ao FMI.

Estas medidas consistem em restringir serviços públicos, o sector estatal, pensões de reforma e vender recursos nacionais aos estrangeiros. O dinheiro economizado pela redução de benefícios sociais e o obtido com a venda de ativos do país aos estrangeiros serve para pagar ao FMI.

Esta é a maneira pela qual historicamente o Ocidente tem saqueado países do terceiro mundo. Se o presidente de um país estiver relutante em entrar em tal negócio, ele simplesmente é subornado, como governos gregos foram, juntando-se ao saque do país que pretensamente representaria. Quando este método de saque se esgota, o Ocidente compra terras agrícolas forçando países do terceiro mundo a abandonarem uma política de auto-suficiência alimentar, produzindo uma ou duas culturas para exportação.

Esta política tornou populações do terceiro mundo dependentes das importações de alimentos do ocidente. Normalmente as receitas de exportação são captadas por governantes corruptos ou pelos compradores estrangeiros que pagam preços reduzidos pelas exportações enquanto os estrangeiros vendem alimentos demasiado caro. Desta forma, a auto-suficiência é transformada em endividamento.

Com o terceiro mundo explorado até aos limites possíveis, as potências ocidentais resolveram saquear os seus próprios países. A Irlanda tem sido saqueada, o saque da Grécia e de Portugal é tão severo que forçou um grande número de mulheres jovens à prostituição. Mas isso não incomoda a consciência ocidental.

Anteriormente, quando um país soberano se encontrava com endividamento superior ao que poderia suportar, os credores tinham que anular parte da dívida até um montante em que o país pudesse suportar. No século XXI, como relato no meu livro The Failure of Laissez Faire Capitalism, esta regra tradicional foi abandonada.

A nova regra é que a população de um país, até mesmo de países cujos dirigentes de topo aceitaram subornos para endividar o país a estrangeiros, deve ter as pensões de reforma, emprego e serviços sociais reduzido. Além disto, valiosos recursos nacionais como sistemas municipais de água, portos, lotaria nacional e espaços naturais protegidos, tais como as ilhas gregas protegidas, vendidas a estrangeiros, que ficam com a liberdade de aumentar os preços da água, negar ao governo grego as receitas da lotaria nacional e vender a imobiliárias o patrimônio nacional protegido da Grécia.

O que aconteceu à Grécia e a Portugal está em curso em Espanha e Itália. Os povos são impotentes, porque seus governos não os representam. E não se trata apenas de governantes que receberam subornos, os membros dos governos possuem a lavagem cerebral de que os seus países devem pertencer à União Europeia, caso contrário, serão ultrapassados pela história.

Os povos oprimidos e sofredores sofrem o mesmo tipo de lavagem cerebral. Por exemplo, na Grécia o governo eleito para evitar o saque da Grécia estava impotente porque a lavagem cerebral ao povo grego era para que custasse o que custasse deviam permanecer na UE. A junção de propaganda, poder financeiro, estupidez e subornos significa que não há esperança para os povos europeus.

O mesmo é verdade nos Estados Unidos, Canadá, Austrália e Reino Unido. Nos Estados Unidos dezenas de milhões de cidadãos dos EUA aceitaram tranquilamente a ausência de qualquer rendimento de juros sobre suas poupanças durante sete anos. Em vez de levantarem questões e protestarem, os americanos aceitaram sem pensar a propaganda de que a sua existência depende do êxito de um punhado de megabancos artificialmente criados, "grandes demais para falir". Milhões de americanos estão convencidos de que é melhor para eles deixar degradar as suas economias do que um banco corrupto falir.

Para manter os povos ocidentais confusos sobre a real ameaça que enfrentam, é dito às pessoas que há terroristas atrás de cada árvore, de cada passaporte, ou mesmo sob cada cama, e que todos serão mortos a menos que o excessivo poder do governo seja inquestionável. Até agora isso tem funcionado perfeitamente, com falsas palavras de ordem, reforçando falsos ataques terroristas, que servem para evitar a tomada de consciência de que isto não passa de um embuste para acumular todos os rendimentos e riqueza em poucas mãos.

Não contente com sua supremacia sobre os "povos democráticos", o “um por cento” dos mais ricos avançou com as parcerias Transatlântica (TTIP) e Transpacífica. Alegadamente, são "acordos de livre comércio" que beneficiarão a todos. Na verdade, são negociações cuidadosamente escondidas, secretas, que permitem o controlo de empresas privadas sobre as leis de governos soberanos.

Por exemplo, veio a público que no âmbito do TTIP o Serviço Nacional de Saúde no Reino Unido poderia ser regido por tribunais privados, instituídos no âmbito daquele tratado e, constituindo um obstáculo para seguros médicos privados, ser processado por danos a empresas privadas e até mesmo forçado à sua extinção.

O corrupto governo do Reino Unido sob o vassalo de Washington David Cameron bloqueou o acesso aos documentos legais que mostram o impacto da parceria transatlântica no Serviço Nacional de Saúde da Grã-Bretanha.
www.globalresearch.ca/...

Para qualquer cidadão de um país ocidental, que seja tão estúpido ou tenha o seu cérebro tão lavado para não ter percebido isso, a verdadeira intenção da política do "seu" governo é entregar todos os aspectos das suas vidas ao apoderamento de interesses privados.

No Reino Unido, o serviço postal foi vendido a um preço irrealista a interesses privados com ligações políticas. Nos EUA os republicanos e talvez os democratas, pretendem privatizar o Medicare e a Previdência Social, assim como privatizaram muitos aspectos das forças armadas e do sistema prisional. As funções do Estado tornaram-se alvos para o lucro privado.

Uma das razões para a escalada do custo do orçamento militar dos EUA é a sua privatização. A privatização do sistema prisional dos EUA resultou em que grande número de pessoas inocentes é enviada para a prisão e forçada a trabalhar para a Apple Computer, para empresas de vestuário que produzem para as forças armadas e para um grande número de outras empresas privadas. Os trabalhadores da prisão são pagos tão baixo quanto 69 centavos por hora, inferior ao salário chinês.

Isto é a América hoje. Policiais corruptos. Promotores de Justiça corruptos. Juízes corruptos. Mas máximo lucro para os capitalistas dos EUA a partir de trabalho nas prisões. Os economistas do livre mercado glorificaram prisões privadas, alegando que seriam mais eficientes. E na verdade são eficientes em fornecer os lucros do trabalho escravo para os capitalistas.

Mostramos uma reportagem sobre o primeiro-ministro Cameron negando informações sobre o efeito da parceria transatlântica TTIP no Serviço Nacional de Saúde britânico.
www.theguardian.com/...

O jornal britânico Guardian, que várias vezes teve de prostituir-se para manter um pouco de independência, descreve a raiva que sente o povo britânico pelo sigilo do governo sobre uma questão tão fundamental para o seu bem-estar. Contudo, continuam a votar em partidos políticos que têm traído o povo britânico.

Por toda a Europa, governos corruptos controlados por Washington têm distraído as pessoas sobre a forma como são vendidos pelos "seus" governos, concentrando a sua atenção nos imigrantes, cuja presença decorre de governos europeus representarem os interesses de Washington e não os interesses de seus próprios povos.

Algo terrível aconteceu à inteligência e a consciência dos povos ocidentais, que parecem já não ser capazes de compreender as maquinações dos "seus" governos.

Governo responsável nos países ocidentais é história. Apenas fracasso e o colapso aguarda a civilização ocidental.
[*] Foi secretário de Estado Adjunto do Tesouro para a política económica e editor associado do Wall Street Journal. Colunista na Business Week, Scripps Howard News Service e Creators Syndicate. Tem tido muitas intervenções em universidades. Os seus textos na internet são seguidos no mundo inteiro. Os livros mais recentes de Paul Craig Roberts são The Failure of Laissez Faire Capitalism and Economic Dissolution of the West ,   How America Was Lost   e   The Neoconservative Threat to World Order .

O original encontra-se em www.paulcraigroberts.org/ . Tradução de DVC. 


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

O bem-estar das corporações multinacionais

O bem-estar das corporações multinacionais



23.Feb.16 :: Colaboradores
Rui Namorado Rosa estuda no texto que hoje apresentamos os mecanismos do planeamento tributário das multinacionais, uma outra maneira de dizer ao normal pagamento de impostos nos diversos países:
«A multinacional elabora um planeamento financeiro do qual resulta uma complexa estrutura organizativa de fluxos materiais, imateriais e financeiros que, tirando partido das especificidades dos variados regimes fiscais, procura optimizar os benefícios agregados. Entre diferentes itens que esse planeamento abarca e sobre os quais a multinacional toma opção, no processo de construir a sua estrutura, relevam os seguintes: onde incorporar a sede social, onde incorporar as suas subsidiárias, em que condições conduzir as transacções entre empresas do grupo, onde registar as suas vendas, onde incorrer os seus custos, onde localizar os seus activos, onde empregar o seu pessoal, onde aceder ao crédito, onde registar a sua propriedade intelectual, onde extrair privilégios fiscais especiais.»


Quando uma grande empresa desenvolve as suas actividades internacionais recorre ao planeamento tributário, assistida por uma empresa de auditoria e consultoria fiscal e jurídica, optimizando fontes e fluxos de capital e de factores de produção, estruturando-se numa empresa multinacional. É provável que menos de 10% das empresas do mundo sejam «corporações multinacionais» – grupos de empresas interdependentes por laços de propriedade e articulação funcional – e talvez menos de 1% sejam empresas-mãe de tais grupos. Todavia, transacções internacionais entre empresas do mesmo grupo representarão mais de metade do comércio mundial.
As multinacionais pretendem ser reconhecidas como uma entidade única e publicam relatórios e contas que sugerem assim ser, porém consistem em grande número de empresas distintas quanto a localização e actividade. A empresa-mãe é proprietária da totalidade ou da maioria das demais, as subsidiárias, e controla todas elas. Poderão ser algumas apenas ou ser milhares. Uma contagem recente sugere que a BP detém mais de 3.000 empresas subsidiárias pelo mundo fora.
Isto significa que, conquanto a corporação multinacional se apresente com uma só face perante o mundo, e publicite um conjunto impressionante de activos, actividades e resultados, a realidade é que quando se trata de tributação não existe tal coisa como uma simples entidade multinacional. Cada empresa de que se compõe é tributada de per si, geralmente ou no país em que se encontra incorporada ou no país onde conduz o seu negócio, não havendo norma universal. Uma sociedade estabelecida segundo o direito inglês é sempre tributável no Reino Unido sobre os rendimentos realizados em todo o mundo. Porém, uma empresa constituída na Inglaterra que tem uma filial em França é em primeira instância tributada em França sobre o rendimento da filial francesa, e depois no Reino Unido, mas com crédito dado ao desembolso fiscal já pago em França, nos termos do acordo de dupla tributação entre esses dois países. Porém, diferentes países têm regimes fiscais diferentes, compreendendo diferenciadas actividades e tipologias de rendimentos, de tal modo que as taxas de impostos variam amplamente entre países e segundo as actividades desenvolvidas. Assim, uma multinacional detém empresas separadas por actividade em cada país em que opera, e conduz certas actividades em certos países e não noutros, à luz do planeamento tributário.
A multinacional elabora um planeamento financeiro do qual resulta uma complexa estrutura organizativa de fluxos materiais, imateriais e financeiros que, tirando partido das especificidades dos variados regimes fiscais, procura optimizar os benefícios agregados. Entre diferentes itens que esse planeamento abarca e sobre os quais a multinacional toma opção, no processo de construir a sua estrutura, relevam os seguintes: onde incorporar a sede social, onde incorporar as suas subsidiárias, em que condições conduzir as transacções entre empresas do grupo, onde registar as suas vendas, onde incorrer os seus custos, onde localizar os seus activos, onde empregar o seu pessoal, onde aceder ao crédito, onde registar a sua propriedade intelectual, onde extrair privilégios fiscais especiais.
Respeitando à sede social, as multinacionais costumam configurar uma holding, propriedade da empresa-mãe, por sua vez detentora de empresas operacionais subsidiárias. Pouco acontece nesse nível intermediário, excepto que colecta dividendos das subsidiárias para depois conceder os recursos de que dispõe, não a título de dividendos mas como empréstimo à empresa-mãe. A localização intermédia é escolhida numa jurisdição com regime fiscal favorável quanto a tributação de rendimentos, dividendos e juros recebidos, e um amplo leque de acordos sobre dupla tributação com outros países – de modo a não suscitar suspeição de se tratar de um paraíso fiscal, embora o seja de facto. Na Europa, os locais mais procurados a respeito são os Países Baixos, a Irlanda, o Luxemburgo e a Suíça.

As «quatro grandes»
As «quatro grandes» empresas de consultoria e auditoria – Deloitte, Ernst & Young, KPMG e Price Waterhouse Coopers – são as multinacionais que dominam o sector de serviços de auditoria e consultoria contabilística, fiscal, financeira e jurídica, prestados a empresas de todos os demais sectores em todo o mundo. Elas são igualmente solicitadas por entidades públicas e governamentais para realizarem estudos e prestarem assessoria antecedendo decisões políticas.
Estas empresas gozam de acesso privilegiado aos círculos económicos, legislativos e executivos, e detêm informação que lhes faculta contribuir para conceber e operacionalizar modelos político-económico e jurídico-fiscais em que se configuram programas políticos e estratégias empresariais ao serviço do grande capital transnacional.
Deloitte Touche Tohmatsu Limited, ou simplesmente Deloitte, sede em Nova Iorque, emprega 210 mil profissionais e gerou $34 mil milhões de receitas em 2014. Price Waterhouse Coopers (PwC), sede em Londres, é uma rede multinacional de serviços profissionais, presente em 157 países, emprega quase 200 mil técnicos, somou $34 mil milhões de receitas em 2014. Ernst & Young (E&Y), sede em Londres, opera como rede de firmas legalmente separadas em 150 países, emprega 210 mil técnicos, realizou $29 mil milhões. KPMG, sede em Amesterdão, emprega 160 mil técnicos, realizou $26 mil milhões de receitas.
As «quatro grandes» actuam como plataforma giratória de pessoas, conceitos e métodos entre as esferas político-institucional e económico-empresarial, em que assenta o funcionamento do sistema capitalista na sua actual etapa.
A influência política abusiva das «quatro grandes» surge averiguado e verberado num relatório recente da comissão de contas públicas da Câmara Baixa do Parlamento britânico. O Governo britânico vem recorrendo a técnicos dessas empresas de auditoria e consultoria, destacados nos Serviços Tributários e Aduaneiros, para a redacção de leis fiscais. As referidas empresas são livres de depois aconselharem multinacionais e indivíduos em matéria fiscal, fazendo uso do conhecimento privilegiado que possuem, assim facilitando a exploração de detalhes e hiatos da legislação cuja redacção elas mesmas assessoraram. Trata-se de uma ilustração óbvia de um consabido mecanismo corruptor conhecido por «porta giratória».
Os Serviços Tributários e Aduaneiros britânicos têm recorrido a auxílio externo, por alegada insuficiência de recursos, na tentativa de conter as perdas para o erário público causadas por via da evasão fiscal. Os números são convincentes: as «quatro grandes» empregam quase 9000 funcionários e cobram anualmente €2,8 mil milhões pelo trabalho que fazem para as autoridades do Reino Unido. Os Serviços Tributários têm muito menos recursos, em particular na área de transferência de preços – transacções complexas implementadas por empresas multinacionais tendo em vista transferir lucros tributáveis para jurisdições de baixa tributação –, esquemas de evasão justamente montados com assessoria das mesmas consultoras. «Só nessa área de transferência de preços há quatro vezes mais funcionários que trabalham para as quatro consultoras do que para o correspondente serviço público», diz o relatório.
Um porta-voz dos Serviços Tributários justifica-se: «Damos cuidadosa consideração a potenciais riscos assim como à forma de mitigar potenciais conflitos de interesse, antes de qualquer desses destacamentos ser acordado. Tudo ponderado, a utilização cuidadosa de quadros destacados é benéfico para o desenvolvimento da política fiscal e melhoramento da eficácia do sistema fiscal.»
A KPMG aconselhou o Tesouro sobre o desenvolvimento do conceito e de normas para um regime de Direitos de Propriedade Intelectual designado por patent box, para de seguida emitir material promocional relevando o papel que havia desempenhado. Na brochura «patent box: o que ela tem para si» a KPMG sugere que a legislação representa uma oportunidade de negócio para reduzir os impostos, oferecendo ajudar os seus clientes na preparação da alocação de despesas elegíveis.
Depois, a KPMG explica-se em comunicado: «Quando solicitados pelos departamentos governamentais destacamos especialistas para o seu serviço. O seu papel é fornecer subsídios técnicos e experiência comercial para que as autoridades possam fazer escolhas informadas sobre política fiscal. Os nossos quadros aí destacados não redigem legislação nem tomam decisões políticas». Também o chefe de política fiscal na Deloitte explica: «Nós não cremos que alguma vez tenha havido qualquer conflito de interesses, e gostaria de ajudar a garantir que não há percepção de conflito». Já o director de fiscalidade na PwC: «Nós fornecemos ao governo uma visão técnica, mas apenas quando solicitados e nunca estamos envolvidos na decisão sobre política fiscal, que é uma questão do governo.» E o chefe de fiscalidade da E&Y vai mais longe: «Acho que há benefícios no trabalho que fazemos com o governo (…) benefícios para o país em geral. Se olharem para a qualidade da legislação que agora temos (…) é muito melhor do que era há 10 anos atrás.» «Porque assim? Porque estamos trabalhando activamente com o governo, às nossas custas, para certificarmos que a base legislativa com que estamos a trabalhar é tão clara e concisa quanto pode ser.»
Porém a presidente da comissão parlamentar identificou esse conflito de interesses e descreveu a acção dessas empresas como sendo equivalente a um esquema fraudulento. «As grandes empresas de contabilidade detêm numa posição poderosa no universo da fiscalidade e mantêm uma inapropriada relação de proximidade com o governo», afirmou, pedindo ao Tesouro para não mais aceitar essas assessorias externas na elaboração de futuras leis fiscais.
A comissão parlamentar afirma estar «muito preocupada com a maneira como as quatro empresas parecem utilizar seu conhecimento interno da legislação para vender aos clientes aconselhamento sobre como usar essas regras para pagarem menos imposto», acrescenta o relatório. Prem Sikka, professor de contabilidade da Universidade de Essex, declarou: «Elas [as quatro grandes] são o epicentro de uma indústria de elisão fiscal global, e a perda de receitas fiscais é directamente responsável pela actual crise económica. O Tesouro deveria actuar como as autoridades norte-americanas e processar e multar as empresas. Infractores habituais deveriam ser encerrados».
Entre nós, a KPMG foi, entre 2002 e 2014, a auditora das contas das principais empresas do Grupo Espírito Santo, sediadas no Luxemburgo. Mantendo-se como auditora do BES «mau», surgiu agora a dar assessoria aos dois candidatos chineses Anbang e a Fosun nas negociações para a compra do Novo Banco (BES «bom»); enquanto isso, a actual auditora do Novo Banco, a PwC, surge também como assessora do fundo norte-americano Apollo, nas negociações para a compra desse mesmo banco. Os paraísos fiscais e as auditoras/consultoras estão omnipresentes e guardam bem os seus segredos.

Evasão fiscal, paraísos fiscais

As multinacionais concorrem pelos regimes fiscais mais generosos. Os governos dos países concorrem para as atrair, antecipando maiores receitas fiscais ou então, comprometidos no mesmo objectivo, oferecendo regimes fiscais favoráveis ou isenções.
A concorrência fiscal, com incentivos para manipular e atrair investimentos, estimula a evasão e fuga de capitais. A concorrência fiscal mina a soberania financeira dos governos posto que contraria a adopção de política fiscal própria; induz mudanças de política tributária, de imposto sobre sociedades para o trabalho e o consumo, agrava a carga fiscal sobre os pobres; em estados vulneráveis resulta em redução da base tributária, maior assimetria social e enfraquecimento do estado nos planos interno e externo. É esta a corrida para o precipício que o capitalismo tem para oferecer.
A elisão, a evasão e a fraude fiscal, difíceis de monitorizar e quantificar, resultam em enormes montantes de receitas públicas perdidas. Encaminhadas para paraísos fiscais, atingirão a ordem de $1 milhão de milhões anuais. Os paraísos fiscais, ao permitirem estatuto de privilégio às grandes fortunas e às multinacionais, contribuem para a redução das respectivas tributações, abrem caminho para que a carga tributária recaia sobre os trabalhadores. E iludem a percepção de realidade, risco e responsabilidade do sistema financeiro.
A fuga de capitais, um fenómeno relacionado com a evasão e a fraude, reporta-se à saída de recursos produtivos de países em desenvolvimento ou periféricos. Embora haja várias motivações por detrás da fuga de capitais, a mais comum será a movimentação e acumulação de riqueza escondida. A fuga de capitais estima-se que exceda $500 mil milhões anualmente, tendo os paraísos fiscais como destino para os acolher com discrição em segurança.
Fluxos financeiros ilícitos, isto é, movimentos de recursos ilegalmente adquiridos, transferidos ou utilizados, designadamente via transacções comerciais instrumentalizadas por sobre/subfacturação, visam iludir direitos aduaneiros, imposto de rendimento ou IVA, e obviamente também fundos oriundos ou aplicados de/para actividades criminosas. A pesquisa da Global Financial Integrity sugere que 45% dos fluxos ilícitos acabam em centros financeiros offshore e 55% em bancos nos países desenvolvidos. A exportação de fluxos financeiros ilícitos pelas economias em desenvolvimento e emergentes tem progredido à taxa anual de 9%, duas vezes mais rápida do que a geração do PIB global, tendo atingido $991 mil milhões em 2012 (estimativa conservadora por não compreender falsificação de facturação de serviços, dinheiro em espécie e lavagem de dinheiro).
Um relatório de 2013 revela que, depois de ponderar todos os tipos de fluxos financeiros (legítimos e ilegítimos), incluindo investimentos, remessas, perdão da dívida e exportação de recursos naturais, a África é um credor líquido do resto do mundo. Para além do impacto económico negativo da saída de capital, os fluxos ilícitos têm um impacto terrível sobre os governos, as vítimas da criminalidade e a sociedade. Facilitam a criminalidade organizada, recompensam a corrupção, diminuem as receitas fiscais e comprometem a governação.
Os fluxos ilícitos exportados por países em desenvolvimento excedem o total do investimento directo estrangeiro (FDI) e da assistência oficial ao desenvolvimento (ODA) recebidos. E o maior volume desses fluxos, 78%, é facturação fraudulenta de transacções comerciais. Aí está patente a marca da acção das multinacionais.
«De acordo com a UNCTAD, mais de 30 por cento do Investimento Directo Estrangeiro passa por paraísos fiscais e a tendência é crescente, distorcendo as estatísticas sobre fluxos de investimento e de capital. Por exemplo, alguns paraísos fiscais como Bermudas recebem mais investimentos dos Estados Unidos do que países como a China».
A evasão fiscal é ainda mais facilitada quando incide sobre intangíveis, como Propriedade Intelectual (PI), patentes ou direitos de autor, mesmo logotipos e marcas registadas. A empresa-mãe de uma multinacional cede a propriedade de uma patente a uma empresa de fachada (holding) constituída em território de baixa tributação. Todas as subsidiárias produtivas desse complexo multinacional pagarão subsequentemente royalties a esta empresa de fachada, a partir dos proveitos de suas vendas atribuíveis a essa patente. Garante assim um débito contínuo de receitas para o paraíso fiscal. A Microsoft, só por registar os seus direitos de PI numa subsidiária na Irlanda, «poupou» $1800 milhões em impostos, entre 2001 e 2004, posto que tributados a uma taxa de 12,5% na Irlanda estariam sujeitos à taxa de 35% nos EUA.
À mão das «quatro grandes» empresas de auditoria e consultoria, a engenharia fiscal é cuidadosamente planificada com vista a contornar e reduzir quanto possível os impostos cobrados a uma empresa, sem necessariamente contradizer a letra da legislação mas iludindo o seu espírito. Tirando partido de ambiguidades ou lacunas das normas legais, e das diferenças entre regimes fiscais vigentes em distintos países. A Organização Mundial do Comércio e o Fundo Monetário Internacional, ao promoverem a liberalização do comércio e da circulação de capitais, com vista ao crescimento e incremento dos lucros dos grandes grupos económicos, abriram caminho à infiltração de esquemas de elisão e evasão fiscal, de oportunidades de fuga de capitais e fraude fiscal.
Caso de sucesso: os Países Baixos
A respeitável Europa está recheada de paraísos fiscais. O maior paraíso fiscal do mundo será a Suíça, tradicional esconderijo de grandes fortunas. Indivíduos e corporações acorrem discretamente a esse país para lá esconder os seus activos, protegidos por leis de sigilo bancário. Embora o regime fiscal compreenda imposto de rendimento sobre empresas, todavia não cobra sobre proveitos auferidos por subsidiárias além-fronteira, por aí facultando a possibilidade de as empresas registadas na Suíça evitarem tais impostos. Porém a barreira do anonimato pode ser episodicamente derrubada, em caso de conflito entre centros financeiros, ou por força de investigações lançadas sobre incidentes bancários.
Crédit Suisse, UBS-AG, e Liechtenstein Grupo Global Trust (LGT) contam-se entre instituições financeiras acusadas de evasão fiscal pelas autoridades norte-americanas, penalizadas após sequente acção jurídica a pagar milhares de milhões de dólares em multas e a ceder informação sobre pessoas físicas e jurídicas com contas secretas. Foi alegado que «o maior gestor de fortunas do mundo [UBS] escondeu $17,9 mil milhões de 19 mil americanos que não declararam os seus bens ao Internal Revenue Service (autoridade tributária dos EUA).» A instituição financeira pagou «$780 milhões, admitiu fomentar a evasão fiscal e forneceu detalhes sobre 250 contas secretas,… posteriormente revelando outras 4450 contas.» Trata-se do maior banco suíço, presente em 50 países, tem 60 mil trabalhadores.
Os Países Baixos são um nó importante na rede mundial de evasão fiscal, onde presentemente estacionam $13 milhões de milhões. Numa União Europeia em crise é motivo de perplexidade e indignação.
O papel dos Países Baixos no sentido de facilitar a elisão e evasão fiscal remonta aos fins da década de 1970 quando, visando atrair empresas multinacionais, iniciou um regime de garantia de tributação favorável pré-acordada (the Dutch turn) em troca de lhes ser permitido o trânsito de capitais. Ao encaminhar proveitos através dos Países Baixos a caminho de paraísos insulares, as empresas podem colher um duplo benefício, não ter de pagar imposto sobre os seus capitais tanto à entrada como à saída.
Empresas farmacêuticas ou ditas tecnológicas procuram reduzir os seus encargos fiscais pagando royalties sobre direitos de propriedade de patentes em subsidiárias offshore. Tais transacções normalmente incorrem em custos substanciais pois muitas nações desenvolvidas aplicam imposto de retenção na fonte sobre a saída de royalties para jurisdições com as quais não mantenham um acordo fiscal. Pelo contrário, os Países Baixos não impõem imposto de retenção sobre royalties que deixem o país, independentemente do destino. E o imposto é ou reduzido ou eliminado quando os pagamentos sejam feitos para uma jurisdição que seja parceira de acordo fiscal bilateral. A extensa rede de acordos fiscais neerlandeses protege o fluxo de pagamentos através das suas fronteiras.
A evasão fiscal tem fomentado uma vasta população de empresas trusts nos Países Baixos, e gerado cerca de mil milhões de euros de receitas fiscais anuais e cerca de 3500 postos de trabalho, segundo um estudo de 2009. Empresas locais, como Intertrust Group Holding SA e Grupo TMF disponibilizam caixas de correio para multinacionais, proporcionando-lhes um endereço em seus prédios de escritórios em Amesterdão.
Atraídos por políticas amigáveis e uma vasta rede de tratados fiscais, empresas como IBM, Yahoo, Google, Cisco, Dell ou Merck transferiram proveitos para este país. De acordo com o próprio Banco Central dos Países Baixos, em 2010, empresas multinacionais encaminharam €10 milhões de milhões através de 14 300 «unidades especiais de financiamento» neerlandesas, muitas vezes unidades de negócio que existem apenas no papel, como é permitido por lei.
A IBM International Group BV foi constituída e registada de acordo com a lei dos Países Baixos em 1999, sucursal da IBM na Europa, por sua vez holding de uma rede de mais de 40 empresas subsidiárias representando a IBM por todo o mundo, incluindo as suas operações na Irlanda, um paraíso fiscal onde mantém alguns milhares de empregados. A holding holandesa tinha três funcionários em 2008, número que, desde então, multiplicou para cerca de 200 mil, no final de 2012, cerca de metade dos efectivos globais dessa multinacional. No final de 2012 a IBM tinha acumulado $44 mil milhões de lucros no exterior, dos quais não pagou impostos nos EUA, o sexto maior total de qualquer empresa norte-americana de acordo com dados compilados pela Bloomberg. Desde a constituição da IBM International Group BV, a taxa de imposto reportada pela empresa-mãe desceu 12 vezes em 14 anos. Os fundos por essa via liberados têm financiado a recompra de acções desde 2010, reduzido a quantidade de acções em circulação, e incrementando o lucro por acção, mesmo quando as receitas vão tombando.
A Dell, um dos maiores fabricantes de computadores pessoais do mundo, usa os Países Baixos como base para evitar o pagamento de imposto de rendimento em qualquer lugar. A subsidiária neerlandesa Dell global BV, sem ter qualquer pessoal afecto, conduz de facto os seus negócios através de uma filial em Singapura, onde a Dell projecta e vende laptops e outros equipamentos para os EUA, Europa e Ásia. Dell global BV paga imposto à taxa de 1/10 de 1 por cento sobre lucros que ascenderam a cerca de $2 mil milhões em 2011, o que permitiu essa subsidiária angariar nesse ano quase três quartos dos proveitos mundiais da Dell. A Dell explica que para fins fiscais o lucro é produzido em Singapura, onde goza de um privilégio fiscal desde 2004. Embora a empresa pague quase nenhum imposto de rendimento em Singapura, os Países Baixos também não cobram imposto de rendimento significativo, alegando evitar a dupla tributação que pode ser reclamada evocando o lucro ser obtido em Singapura.
Como se comprova, também nos Países Baixos e em Singapura, os regimes fiscais à volta do mundo estão muito mais adequados a promover o bem-estar das corporações multinacionais do que das famílias trabalhadoras.
Ora foi do Reino dos Países Baixos que, no início de 2013, o Senhor Jeroen Dijsselbloem partiu para Bruxelas para dirigir o Eurogrupo e o Mecanismo de Estabilidade Europeu. Em Junho de 2015, os cinco presidentes – Dijsselbloem, do Eurogrupo, Mario Draghi, do Banco Central Europeu, Jean-Claude Juncker, da Comissão Europeia e Donald Tusk, do Conselho Europeu, ditaram o «Relatório dos Cinco Presidentes» para valer como doutrina da União Monetária Europeia, impondo, de cima a baixo, aos Estados-membros as regras de política económica e social da zona euro.
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Este texto foi publicado no Militante nº 340, de Março/Abril de 2016
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