quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Prabhat Patnaik / O slogan "Fabricar na Índia"

O slogan "Fabricar na Índia"

– Uma análise válida para muitos países além da Índia


por Prabhat Patnaik [*]
Lançamento da campanha, com Modi ao centro.À primeira vista, a campanha "Fabricar na Índia" parece inócua, talvez uma fantasia – mas uma fantasia algo inocente: Se as grandes empresas do mundo vierem "fabricar" coisas na Índia para venderem por todo o mundo, o que é o objectivo da campanha "Fabricar na Índia" do governo Modi, então o que há de errado nisto? Uma vez que "Fabricar na Índia" não provoca qualquer "desindustrialização" interna e nem portanto desemprego, tal como aconteceria se estas companhias estivessem a produzir para o mercado indiano (ou mesmo para o mercado mundial), a expensas de outros, produtores internos mais pequenos que geram emprego mais amplo por unidade de produto, isto é, uma vez que há um acréscimo líquido ao nível a actividade interna, por que é que alguém objectaria a isto? Tudo o que se poderia dizer acerca disto é que tal "desindustrialização" não ocorreria, mas nada mais haveria a criticar na campanha "Fabricar na Índia".

IMPRESSÃO FALSA 

Trata-se, contudo, de uma impressão falsa. Quando corporações multinacionais localizam suas fábricas em países do terceiro mundo isso não significa que o controle sobre decisões quanto à sua tecnologia e produção mude para estes países – ela permanece nas sedes localizadas nas metrópoles. A tecnologia, investigação & desenvolvimento e inovações continuam no domínio da companhia mãe. Mesmo decisões de produção e investimento das filiais localizadas no terceiro mundo têm de se conformar à estratégia global da corporação multinacional (CMN) e, portanto, são controladas a partir das metrópoles. A localização cada vez mais extensa de tais fábricas em países do terceiro mundo portanto significa necessariamente que cada vez mais vastos segmentos da economia do terceiro mundo caem sob o controle de decisores metropolitanos, o que equivale a uma crescente perda de soberania económica.

Em qualquer caso, a abertura da economia ao turbilhão dos fluxos financeiros globais significa que os Estados do terceiro mundo têm forçosamente de acatar sistematicamente as exigências do capital financeiro internacional a fim de impedir fugas de capitais, isto é, que a sua autonomia na sua tomada de decisões está comprometida. Mas se, além disso, um segmento crescente da economia também for dominado por corporações multinacionais, as quais por sua vez são controladas a partir das metrópoles, então esta autonomia é mais uma vez atenuada. O Estado, nesse caso, é sempre obrigado a assegurar que nada aconteça que ponha em perigo os interesses destas corporações, pois caso contrário o sistema de produção seria minado. E isto significa que temos efectivamente uma replicação dos tempos coloniais quando o Estado colonial basicamente cuidava dos interesses do capital estrangeiro. Ou, para usar uma analogia diferente, a esfera da produção torna-se crescentemente caracterizada por uma "extra-territorialidade" tal como a que desfrutavam as potências estrangeiras na China pré revolucionária (da quais as zonas económica especiais, ZEEs, são de qualquer forma uma espécie de recordação).

Mas isso não é tudo. A razão para as CMNs localizarem fábricas no terceiro mundo são os baixos salários do mesmo e esta razão é de relevância só no caso de indústrias onde a magnitude do input de trabalho é significativo. Caso contrário, a vantagem de assim localizar fábricas, apesar mesmo dos benefícios da "extra-territorialidade", não suplantaria a desvantagem de se aventurar num país estrangeiro. Segue-se portanto que só certas actividades são localizadas no terceiro mundo, tipicamente nas actividades manufactureiras pouco qualificadas as quais são mais trabalho intensivo e menos tecnologia e capital intensivo.

Isto significa que todos os países do terceiro mundo que procuram localizar investimento directo estrangeiro (IDE) estão realmente a correr atrás apenas de um certo montante limitado de investimento – e estão implacavelmente a competir uns contra os outros para atrair este montante limitado de investimento para o seu solo. Portanto há necessariamente uma "corrida para o fundo do poço", no qual cada país compete com outros em reduzir salários, "disciplinar" os trabalhadores, retirar direitos de trabalhadores, desmantelar sindicatos e introduzir "flexibilidade no mercado de trabalho" (a qual implica o direito ilimitado de empregadores contratarem e despedirem trabalhadores à vontade). A campanha "Fabricar na Índia" não é apenas um convite para fabricar coisas na Índia; é um convite para "fabricar" coisas na Índia em oposição a outros países. E é uma campanha que é ou será correspondida por campanhas semelhantes em outros países. Portanto ela implica necessariamente um ataque aos trabalhadores como parte de um lance competitivo para seduzir o capital.

Contudo, seduzir CMNs não assume simplesmente a forma de balouçar cenouras económicas diante delas, com salários mais baixos e trabalhadores "disciplinados". Do ponto de vista das CMNs não é muito atraente instalar fábricas num país onde, mesmo que os trabalhadores tenham sido intimidados, partidos políticos ou "grupos da sociedade civil" organizam regularmente manifestações contra elas, onde há litigações regulares contra as suas negligências e onde a imprensa regularmente enfatiza suas manigâncias. Elas prefeririam antes localizar fábricas num país onde não só os trabalhadores mas também os media, os intelectuais e os partidos políticos tenham sido todos intimidados. Em suma elas prefeririam localizar fábricas em países com regimes autoritários. Sufocar direitos democráticos em nome do desenvolvimento torna-se portanto uma parte integral de estratégias tipo "Fabricar na Índia". E também aqui opera a mesma "corrida para o fundo do poço". Países do terceiro mundo concorrem uns com os outros em nome do desenvolvimento não só para amedrontar os trabalhadores mas também para suprimir a generalidade dos direitos democráticos.

ATITUDE ABOMINÁVEL 

Mas, pode-se perguntar, se o resultado de um tal programa é ter maior crescimento e portanto maior emprego e melhoria da pobreza, então qual é o mal em pagar um preço por isto na forma de uma supressão dos direitos dos trabalhadores, ou mesmo, por extensão, de direitos democráticos gerais? A atitude abominável por trás de uma pergunta como esta é auto-evidente:   ao invés de conceber uma estratégia de desenvolvimento que esteja em consonância com o espírito de uma sociedade democrática onde os trabalhadores e os outros desfrutam certos direitos democráticos básicos, ela realmente pede um sacrifício de tais direitos em nome do "desenvolvimento". Mas esta atitude abominável é justificada por uma lógica espúria, por uma pretensão de que não há outras opções perante o povo, isto é, por admitir como facto consumado que o capitalismo neoliberal é o único destino que o povo pode ter.

Contudo, aqui ainda há outro ponto. No contexto da crise capitalista mundial, em que o total de investimentos tem minguado sempre por causa da existência de capacidade de produção não utilizada por toda a parte, mesmo o facto de balouçar cenouras diante das CMNs não terá êxito em atrair muito investimento para "fabricar" coisas na Índia. Por outras palavras, enquanto os direitos dos trabalhadores serão suprimidos em nome da atracção do capital estrangeiro para "fabricar" coisas na Índia, não virá realmente muito capital estrangeiro, de modo que o prometido aumento no emprego e a prometida redução da pobreza nem sequer se concretizarão.

Vimos acima que apenas certas actividades são relocalizadas das metrópoles para o terceiro mundo; que o âmbito para qualquer novo investimento na periferia para localizar outras actividades é pequeno. Mas numa situação de estagnação virtual da economia mundial, qualquer investimento líquido na expansão de capacidade produtiva em qualquer conjunto de actividades, seja aquelas relocalizadas ou aquelas não relocalizadas, é pequeno no total. Portanto com investimento irrisório a vir para o terceiro mundo, a possibilidade de um programa como "Fabricar na Índia" originar um boom é inexistente. A repressão da classe trabalhadora e a criação de uma atmosfera "propícia" às CMNs através da remoção de direitos dos trabalhadores e mesmo da abolição de direitos democráticos, ainda que fazendo dano maciço à nossa sociedade e regime e aos padrões de vida dos trabalhadores, nem mesmo provocará qualquer criação adicional de empregos. Ao contrário, como o esmagamento dos salários dos trabalhadores reduzirá a dimensão do mercado interno e portanto do output para ele produzido, haverá realmente uma redução do emprego.

O argumento padrão de que uma pioria das condições dos trabalhadores será compensada por um aumento do emprego e uma redução na pobreza portanto não se mantém. O argumento de que o esmagamento dos trabalhadores induzirá as CMNs a "Fabricar na Índia" representa não só uma atitude abominável como também má teoria económica. "Fabricar na Índia" não é portanto um slogan inócuo; é um slogan potencialmente perigoso.

O único meio para que o sector manufactureiro possa expandir-se e gerar emprego na economia é através da ampliação do mercado interno, uma vez que o mercado de exportação é golpeado pela crise capitalista mundial. Isto exige colocar mais poder de compra nas mãos da população trabalhadora através de maior despesa com o bem-estar social, maior despesa com esquemas de garantia de emprego como oMGNREGS e maior despesa pública com irrigação e na reanimação da agricultura. E se uma tal agenda faz com que o capital internacional franza as sobrancelhas, então esta hostilidade do capital internacional tem de ser anulada por controles de capital adequados.

Contudo, tudo isto vai ao contrário do objectivo da campanha "Fabricar na Índia". Mas se a NDA pudesse avançar nesta rota alternativa então não seria a organização reaccionária e autoritária que é. Na verdade, ela embarcou nesta campanha "Fabricar na Índia" cujo objectivo potencial é precisamente constranger a democracia e esmagar o povo trabalhador através de salários mais baixos e emprego ainda mais baixo. 
08/Novembro/2015

[*] Economista, indiano, ver Wikipedia

O original encontra-se em http://peoplesdemocracy.in/2015/1108_pd/slogan-"make-india" . Tradução de JF. 


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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