segunda-feira, 24 de junho de 2013

Anita L. Prestes: 70 anos da ANL - parte 2 //(contexto de luta antifacista)



Diante da ofensiva reacionária do Governo, que iniciara entendimentos para o envio ao Congresso Nacional do projeto de Lei de Segurança Nacional (significativamente tal projeto ficaria conhecido como “Lei Monstro”), intensifica-se a atuação da CJPI. É no bojo desse crescente movimento pela aglutinação de amplas forças populares e democráticas que nasce a ANL. A mobilização em torno do combate ao projeto da “Lei Monstro” se revela o
, que precipita, através da intensa atividade pública da CJPI, a criação da ANL. Participam dessa entidade lideranças expressivas da sociedade brasileira: intelectuais de renome, sindicalistas, “tenentes”, comunistas, socialistas, entidades democráticas e populares de diferentes colorações ideológicas e políticas.
No ato público de lançamento da ANL, a 30/03/35, Luiz Carlos Prestes é aclamado presidente de honra da entidade, embora ainda não tivesse regressado ao Brasil do exílio onde se encontrava havia vários anos. O “Cavaleiro da Esperança” – que liderara a Coluna Prestes através de 25 mil quilômetros percorridos por todo o território nacional, sem jamais ter sofrido nenhuma derrota no combate movido às tropas governistas -, tornando-se ao final dos anos vinte a mais importante liderança tenentista do país, em 1930 havia rompido com seus antigos companheiros e se recusado a participar do movimento armado, que conduziu Getúlio Vargas ao poder. Prestes denunciara o caráter limitado desse movimento: a disputa pelo poder entre grupos oligárquicos associados aos imperialismos norte-americano e inglês. (Prestes, 1997a)
Embora as promessas feitas por Vargas, por ocasião da chamada Revolução de 30, tivessem despertado grandes esperanças em amplos setores da sociedade brasileira, em pouco tempo, o desencanto com o seu governo seria generalizado (Prestes, 1997, cap. 1). Por outro lado, segmentos ponderáveis da opinião pública brasileira voltavam-se cada vez mais para a liderança de Luiz Carlos Prestes, para o programa que ele havia proposto em seu Manifesto de Maio de 1930 e não tinha encontrado eco junto àqueles setores, então iludidos com Vargas e a plataforma da Aliança Liberal (ibidem, cap. 2).
, anunciado pela ANL, seria atendido imediatamente pelas massas, caso o Governo decretasse o fechamento da entidade ou resolvesse implantar o estado de sítio [21].
Naquele ano de 35, a figura de Prestes viria a desempenhar um papel histórico determinado e necessário – congregar em torno da ANL grande parte dos setores da nação insatisfeitos de uma maneira geral com o Governo Vargas e o processo como haviam sido conduzidos os trabalhos da Constituinte e a eleição do presidente da República, mas também com a dominação imperialista do país e a força do latifundismo, com o avanço do integralismo e as medidas antidemocráticas adotadas pelo Governo, como a Lei de Segurança Nacional. O Cavaleiro da Esperança, embora inicialmente distante do país e posteriormente vivendo na clandestinidade, sintetizava em sua figura os anseios de todos esses setores, que, em maio de 30 – quando foi lançado seu famoso Manifesto de rompimento com o tenentismo -, lhe haviam dado as costas.
Embora não se saiba exatamente de quem foi a iniciativa de fundação da ANL, as informações de que se dispõe e, principalmente, os textos dos pronunciamentos feitos por esta entidade não deixam lugar a dúvidas: a influência das teses defendidas pelo PCB (Partido Comunista do Brasil) é inquestionável. Fato este de fácil verificação, quando se recorre aos documentos da própria ANL. Havia, contudo, nos primeiros documentos dessa entidade uma diferença significativa em relação às posições do PCB, pois a ANL, na fase inicial de sua existência, não levantava a questão do poder, ou seja, de qual seria o governo que deveria implementar suas propostas, consubstanciadas no lema “Pão, Terra e Liberdade” (ibidem, cap.6).
A formação da ANL insere-se no panorama mundial de resistência ao avanço do fascismo e de criação de frentes populares, não só em vários países europeus como também latino-americanos, bastando lembrar o exemplo do Chile (Caballero, 1987, p. 182-186). No caso brasileiro, a Aliança expressou as insatisfações generalizadas surgidas na sociedade (em particular com os resultados do Governo Vargas), que se concretizaram no programa antiimperialista, antilatifundista e antifascista levantado pelo PCB, com o apoio da Internacional Comunista (IC). A especificidade do movimento consistiu em que, dada a debilidade dos comunistas brasileiros, a adesão de Luiz Carlos Prestes ao PCB e à IC tornou-se um fator decisivo para a penetração e a aceitação desse programa em setores sociais que os comunistas não teriam condições de atingir, particularmente, as camadas médias urbanas, incluindo elementos oriundos do tenentismo e desiludidos com a Revolução de 30 e o Governo Vargas.
A partir da divulgação do seu manifesto-programa [6], a ANL encontraria ampla aceitação, seja nos meios civis (que incluíam tanto setores das camadas médias urbanas quanto do operariado, e mesmo elementos das classes dominantes e das elites políticas) seja junto aos militares de diferentes patentes (oficiais, subalternos e praças) [7]. Como diria anos mais tarde Gregório Bezerra, sargento do Exército que ingressou no PCB e teve papel destacado no Partido e na ANL: “sectário ou não, foi um programa...(o da ANL)... que empolgou as massas populares” (Bezerra, 1979, p. 234).
Em pouco menos de três meses e meio de vida legal, a ANL chegou a fundar mais de 1.600 núcleos em todo o território nacional, atingindo na capital da República 50 mil inscritos (Sisson, 1937, p. 234), e na cidade de Petrópolis 2.500 aderentes (Sisson 1939, p. 18), segundo Roberto Sisson, secretário-geral da entidade. Afonso Henriques, secretário do Diretório Municipal do Rio de Janeiro escreveu que, “segundo cálculos por nós feitos, o quadro social da ANL estava, em maio de 1935, aumentando numa média de 3 mil membros por dia” [8]. De acordo com dados fornecidos por Caio Prado Júnior, presidente do Diretório Estadual de São Paulo, a ANL, no momento de seu fechamento, no início de julho de 35, contava nacionalmente com um número de militantes que variava entre 70 e 100mil [9], o que é confirmado por Robert Levine (Levine, 1980, p. 122).
A ANL transformou-se numa grande frente formada tanto através de adesões individuais de destacadas personalidades da cultura, da ciência e da política quanto de organizações populares, sindicais, femininas, juvenis, estudantis, democráticas, etc. Sua composição estava marcada pela presença de setores das camadas médias urbanas, de segmentos do movimento operário e de jovens militares, oriundos em grande parte das lutas tenentistas dos anos vinte.
A direção da ANL contava com a presença de “tenentes”, atraídos pela liderança de Prestes, de personalidades progressistas e de militantes do PCB. A presença dos comunistas foi significativa, embora, no início, houvesse restrições de alguns dirigentes do PCB à participação na ANL, pois existia o temor de que o Partido pudesse dissolver-se nessa entidade, conforme se considerava que ocorrera com o Bloco Operário Camponês (BOC), no final dos anos vinte.
A atuação da ANL se caracterizava pela organização de grandes atos públicos, caravanas aos estados do Norte-Nordeste, pela participação em lutas de rua contra os integralistas, pela publicação e vasta distribuição de boletins, volantes e jornais aliancistas. No Rio de Janeiro,
 e, em São Paulo,
 foram os principais jornais que deram publicidade aos documentos e às atividades promovidas pela ANL.
Embora o programa aliancista despertasse grande entusiasmo junto a setores muito amplos da sociedade brasileira e da opinião pública nacional, não havia na ANL unanimidade nem clareza quanto aos meios a serem empregados para a conquista dos objetivos inscritos nesse programa. Seus primeiros documentos foram omissos nesse particular [10]. Entre os dirigentes da ANL existia a tendência legalista de considerar possível levar adiante seu programa “dentro da ordem e da lei”, posição desde o início criticada pelos comunistas [11].
O PCB, mantendo-se fiel à orientação política aprovada em sua Primeira Conferência Nacional, de julho de 1934 (Prestes, 1997, cap. 3), afirmava existir no Brasil uma suposta “situação revolucionária” e convocava os trabalhadores a “pegar em armas desde já”, a multiplicar as guerrilhas no campo [12] e a lutar pela instalação de um “governo operário e camponês, na base de conselhos de operários, camponeses, soldados e marinheiros (sovietes)” [13]. Embora a ANL tivesse adotado o programa antiimperialista, antilatifundista e democrático proposto pelo PCB e amplamente aceito pela opinião pública, devido à influência decisiva de L.C.Prestes, os caminhos para atingir esses objetivos eram vistos de maneiras distintas e contraditórias.
A partir de maio de 1935, sob a influência da Internacional Comunista (à qual estavam filiados todos os partidos comunistas), o PCB viria a adotar a consigna de um
 (GPNR), lançada pela primeira vez na carta de Prestes de adesão à ANL, dirigida a H. Cascardo e, por motivos de segurança, datada de Barcelona [14], ainda que o Cavaleiro da Esperança já estivesse de volta no Brasil.
Embora a “carta de Barcelona” fosse datada de 25/4, ela só se tornaria conhecida a 13/5, quando a ANL realizou no Estádio Brasil, na capital da República, grande ato público alusivo à data da Abolição. Na ocasião foi lida a carta de Prestes, recebida com grande vibração popular e logo a seguir publicada tanto nos jornais ligados à ANL, quanto na grande imprensa, como, por exemplo, no
 do Rio de Janeiro (
, 14/05/35, p. 1 e 7;
, 14/05/35, p. 1 e 8;
, 14/05/35, p. 1).
É a partir desse momento que a consigna de um Governo Popular Nacional Revolucionário (GPNR) é adotada oficialmente pela ANL e ganha as ruas. Sua repercussão seria imensa e a aceitação generalizada, embora na carta de Prestes já se falasse em “dar à ANL um caráter antiimperialista combativo e
” [15], apontando, portanto, para o caminho da ruptura da legalidade e do apelo à luta armada, o que seria feito logo a seguir pela própria direção da ANL (Prestes, 1997, p. 111).
A influência crescente de Prestes sobre a Aliança, e das teses por ele avalizadas – aprovadas pela direção do PCB na segunda quinzena de maio -, torna-se evidente quando se consulta o documento lançado na mesma época pelo Diretório Nacional da ANL, intitulado “O Governo Popular Nacional Revolucionário e o seu programa” [16]. Dizia-se nesse documento que o GPNR não é o “governo soviético”, nem “a ditadura democrática de operários, camponeses, soldados e marinheiros”, numa linguagem típica dos comunistas, e acrescentava-se:
“Esse governo não será somente um governo de operários e camponeses, mas um governo no qual estejam representada todas as camadas sociais e todas as correntes importantes, ponderáveis da opinião nacional. (...) À frente de tal governo, como chefe inconteste, com maior prestígio popular em todo o país, não é possível encontrar um nome capaz de substituir o de LUIZ CARLOS PRESTES, porque o nome de Prestes representa para as grandes massas de todo o país a garantia de que tal governo lutará realmente, efetivamente, pela execução do programa da ANL. (...) (ibidem, p. 1 e 2)
Afirmava ainda a direção da ANL: “O que nós, da ANL, proclamamos é a necessidade de um governo surgido realmente do “
”, esclarecendo a seguir que “o GPNR não significará a liquidação da propriedade privada sobre os meios de produção, nem tomará sob o seu controle as fábricas e empresas nacionais” (ibidem, p. 1 e 3; grifos meus).
Surgia, pela primeira vez, nos documentos da ANL, a proposta da luta armada como meio de chegar ao GPNR. A concepção insurrecional do processo revolucionário, adotada tanto pelo PCB quanto pela IC, era assim encampada pela ANL, o que, certamente, não significava que todos os seus dirigentes estivessem com ela de acordo. H. Cascardo, presidente da ANL, comandante da Marinha e “tenente histórico”, se manteria fiel às concepções legalistas, externadas por ele desde o momento da criação da ANL, desmentindo, assim, a tese de que a radicalização das posições da ANL e do próprio PCB seria decorrência direta das influências tenentistas, supostamente trazidas por Prestes e os antigos “tenentes” para o movimento.
Durante os meses de maio e junho de 1935, o movimento antifascista no Brasil, sob a direção da ANL, deu consideráveis passos à frente. Repetiam-se as manifestações aliancistas tanto no Rio de Janeiro e em São Paulo quanto nos mais variados pontos do país, destacando-se a cidade fluminense de Petrópolis como um dos lugares onde o movimento adquiriu maior força e onde também ocorreriam choques particularmente violentos com os integralistas. Sob a pressão da campanha liderada pela ANL, os integralistas eram obrigados a recuar, tendo, muitas vezes, suas marchas e manifestações dissolvidas pelas massas mobilizadas pelos diretórios aliancistas [17].
Ao mesmo tempo, o Governo Vargas, apoiado na “Lei Monstro” e contando com a colaboração da polícia do Distrito Federal, sob o comando do capitão Filinto Muller, intensificava a perseguição não só aos comunistas como aos aliancistas e antifascistas, prendendo e seqüestrando seus líderes, proibindo seus atos públicos e invadindo ou depredando suas sedes e as dos jornais democráticos. Por outro lado, as autoridades policiais fechavam os olhos aos distúrbios promovidos por integralistas, quando não os incentivavam, na busca de pretextos para identificar a ANL com o “comunismo internacional”, justificando, assim, a necessidade do seu fechamento [18].
O ambiente político tornava-se visivelmente mais tenso, e era evidente que o Governo se sentia ameaçado pelo avanço do movimento antifascista e os êxitos alcançados pela ANL e demais entidades democráticas e populares, cujo inegável crescimento atraía setores ponderáveis da opinião pública nacional, incluindo uma parte das Forças Armadas.
Enquanto aumentavam a influência e o prestígio da ANL junto aos mais diversos segmentos da opinião pública brasileira, embora seu objetivo programático – “o povo em armas” para conquistar o GPNR – ultrapassasse os limites da legalidade constitucional, as posições dos comunistas sofriam mudanças. Desde o início de abril, a IC insistia junto ao seu Secretariado Sul-Americano e à direção do PCB para que fosse adotada a consigna de “todo o poder à ANL” [19]. Em telegrama enviado pela Comissão Executiva da IC ao secretário-geral do PCB, o Miranda, era feita a ligação da ANL com o GPNR, deixando claro que, de acordo com a análise da IC, o GPNR deveria ser um poder constituído pela própria ANL, o que, naquele momento, ou seja, antes da reunião do Comitê Central do PCB de maio de 1935, significava a adoção pelos comunistas de uma
 da frente destinada a conquistar o poder [20].
A consigna de “todo o poder à ANL” foi lançada a 5/7, em Manifesto assinado por L.C. Prestes e lido por Carlos Lacerda no ato comemorativo à data dos levantes tenentistas. Se tal Manifesto (Carone, 1978, p. 430-440) revelava, por um lado, a influência da IC na política adotada pelo PCB e a ANL, por outro, expressava a radicalização que vinha se dando no país. Ao intensificar a perseguição movida à ANL e a todas as forças democráticas, o Governo contribuía para que estas se sentissem crescentemente ameaçadas e motivadas a reagirem contra um poder desmoralizado, aparentemente isolado, conivente com os integralistas e empenhado em reprimir os movimentos populares e democráticos. Contudo, os dirigentes da ANL, das demais entidades progressistas e democráticas e do PCB não se davam conta do
 do movimento aliancista e popular e, desta forma, não percebiam que esse movimento seria incapaz de enfrentar com eficácia o golpe a ser desfechado pelas forças de direita, cuja preparação tornara-se para todos evidente. O entusiasmo com o crescimento das adesões à ANL, com os comícios extremamente concorridos por ela promovidos, com os movimentos grevistas e as manifestações de insatisfação generalizada de variados setores da vida nacional, levara essas lideranças a superestimarem suas forças e acreditarem que os dias do Governo Vargas estariam contados, sendo viável, pois, a sua derrubada.
Hoje é evidente que a avaliação da situação feita no Manifesto de 5/7 não correspondia à real correlação de forças presentes no cenário político daquele momento, mas uma parcela considerável e mais radicalizada dos aliancistas não só concordava com tal avaliação como considerava que o apelo de Prestes deveria ser seguido. Assim, explicam-se o entusiasmo com que o documento foi recebido em todo o país e a confiança dos aliancistas em que o chamamento à
A criação da ANL representou a culminância desse processo de aglutinação de grupos, setores, organizações e personalidades decepcionados com o rumo tomado pela Revolução de 30, desiludidos de Vargas e do seu Governo. Ao mesmo tempo, para que essa unidade fosse alcançada, o nome, o prestígio, a liderança de Luiz Carlos Prestes mostraram-se essenciais. Sem o Cavaleiro da Esperança e tudo o que ele representava no Brasil, naquele momento, a ANL dificilmente teria existido.
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