terça-feira, 6 de setembro de 2016

Ramzy Baroud / A Doutrina Obama causa estragos no Médio Oriente

A Doutrina Obama causa estragos no Médio Oriente

 Ramzy Baroud     04.Sep.16     Outros autores
«Todos parecem ter uma teoria sobre como destruir o Daesh. Mas, há dois aspectos a citar: o primeiro, as origens do grupo, e o segundo, se as intenções da sua derrota são realmente sinceras. Devemos abordar de frente o primeiro para poder deslindar o enigma existente desde o nascimento e crescimento do Daesh, ou seja, como desmantelar o grupo. E temos de lidar com o segundo ponto antes de começarmos discussões supérfluas sobre a estratégica bélica mais apropriada, se a guerra for realmente a resposta.».

«Todos parecem ter uma teoria sobre como destruir o Daesh. Mas, há dois aspectos a citar: o primeiro, as origens do grupo, e o segundo, se as intenções da sua derrota são realmente sinceras. Devemos abordar de frente o primeiro para poder deslindar o enigma existente desde o nascimento e crescimento do Daesh, ou seja, como desmantelar o grupo. E temos de lidar com o segundo ponto antes de começarmos discussões supérfluas sobre a estratégica bélica mais apropriada, se a guerra for realmente a resposta.».
ARTIGO
Agora que os americanos lançaram outra guerra aérea contra a Líbia, supostamente para atacar as posições do Daesh ali, a discussão está a ser cuidadosamente orientada para até onde devem ir os Estados para derrotar o grupo combatente?
Na verdade, a pergunta pode-se ganhar uma guerra só com ataques aéreos, sem botas no terreno, de certo modo transformou-se no cerne da questão, envolvendo um grande número de intelectuais nos dois lados do debate.
Aos gurus da media norte americana, dividida entre dois partidos igualmente belicistas, encanta-os usar essas oportunidades para desacreditar uns e outros, como se iniciar guerras noutros países fosse um assunto americano exclusivamente local.
Já se passaram os dias em que os Estados Unidos se esforçavam em estabelecer condições para empreender a guerra, como aconteceu no Kuvait e no Iraque (1990-91), a um nível menor, novamente no Iraque em 2003. Agora as guerras executam-se como se fosse um hábito. Muitos americanos nem parecem conscientes, ou ficam indiferentes, perante o facto de o seu país estar em luta em várias frentes e implicado noutras indirectamente.
Com múltiplas frentes de guerra e conflitos a fermentar por todos os lados, muitos tornam-se insensíveis. Infelizmente, os americanos em especial tomaram o soro da guerra perpétua a um tal grau que raramente se mobilizam de uma forma séria contra ela.
Por outras palavras, o estado de guerra transformou-se em statu quo.
Embora a administração americana do presidente Obama tenha acabado com milhares de seres, a maioria deles civis, não tem havido protestos maciços nem manifestações contra. Aparte o facto de que se criou a marca Obama para parecer o contraste pacífico do belicoso George W. Bush, não houve qualquer mudança importante nas políticas externas dos Estados Unidos no Médio Oriente que pudesse sugerir que um presidente seja «melhor» que o outro.
Obama continuou simplesmente o legado do seu predecessor, sem obstáculos. A mudança fundamental que surgiu foi de ordem táctica: em lugar de criar um aumento maciço de tropas no terreno com o encargo de derrubar governos, Obama utilizou ataques aéreos para atacar quem considere inimigo, embora deixe acabar o trabalho àqueles que considera moderados.
Assim como a guerra preventiva contra o terror» de Bush a doutrina Obama tem sido igualmente desastrosa.
As guerras de Obama disfarçam-se para produzir poucas baixas americanas (ou nenhuma), já que realizam quase inteiramente pelo ar e através de aviões não tripulados operados por controlo remoto, a milhares de quilómetros. Esta atitude é comprovadamente menos grave a nível político. Mas, piorou a situação no terreno e aumentou a guerra, em vez de acabar com ela.
Embora a invasão do Iraque por Bush revitalizasse a Al-Queda e colocasse o grupo no centro da região, as guerras aéreas de Obama forçaram-no a reagrupar-se e a utilizar uma estratégia diferente. Tomaram um novo nome, passaram de células militantes a «Estado», procuraram uma rápida expansão territorial, utilizaram a guerra de guerrilhas quando enfrentavam um exército organizado ou eram bombardeados a partir do céu e levaram a cabo atentados suicidas por todo o mundo para quebrar a moral dos seus inimigos e servir os seus esforços propagandísticos destinados a continuar a recrutar militantes.
Na medida em que os inimigos do Daesh são inimigos uns dos outros, o grupo assegura-se de que a sua existência pelo menos num futuro próximo esteja assegurada.
A verdade é que o Daesh se nutre de intervenções militares porque nasceu de outras intervenções militares. Está a aumentar porque os seus inimigos não actuam em conjunto, porque cada um cumpre agendas que raramente têm a ver com por fim à guerra mas com uma oportunidade para conseguir vantagens politicas.
Com esta lógica em mente, não se pode esperar que a «Operação Odisseia do Amanhecer» dos Estados Unidos que começou oficialmente consiga resultados que possam estabilizar o país.
Como poderia projectar-se essa estabilidade? Foi a guerra que os Estados Unidos e outros membros da OTAN empreenderam contra a Líbia em 2011, que em grande parte desmembrou o que noutro tempo era um pais árabe rico e relativamente estável. Com efeito, foi o vazio deixado por posteriores conflitos o que convidou o Daesh a entrar em Sirte e noutras zonas. Agora, os Estados Unidos e outras potencias ocidentais, dirigidas pela França estão a por em pratica uma série de tácticas numa guerra impossível de ganhar tratando de travar uma imensa crise que eles mesmos criaram ao iniciar a guerra anterior.
Mesmo que expulsem o Daesh de Sirte, o grupo encontrará outro sítio instável onde parar e semear o caos. Sirte, por sua vez, voltará a um estágio de voragem onde diversas milícias, muitas delas armadas pela OTAN, se atacarão umas às outras.
Sem um estudo totalmente novo do problema, os conflitos continuarão a multiplicar-se.
Segundo airwar.org que acompanha a guerra contra o Daesh, a coligação lançou 14.405 ataques aéreos contra o grupo no Iraque e Síria em 735 dias de campanha implacável. Calcula-se que foram lançadas bombas e mísseis, embora o número real deva ser muito mais alto, já que tem havido numerosos ataques que nenhuma das partes reivindicou, portanto, não estão oficialmente registados como tal.
Esta estimativa, nem sequer menciona os bombardeamentos aéreos russos ou de qualquer outro país não integrado na coligação.
Mas conseguiu-se algo positivo com tudo isto, para além de matar muitos civis, destruir maciçamente infra-estruturas e levar o Daesh a outros lugares vulneráveis do Médio Oriente e Africa do Norte?
Há poucas vozes sérias no governo e os meios de comunicação norte americanos dispostos a mudar completamente a perspectiva sobre a guerra contra o terror Bush-Obama. Os apelos sensatos, como os de Jill Stein, candidata do Partido Verde à presidência, de que têm de ser abordada as causas raiz do terrorismo para poder acabar com ele, raramente chegam aos ouvidos do governo e Congresso dos Estados Unidos.
Em Janeiro, o custo da guerra contra o Daesh, segundo cálculos do Departamento de Defesa norte-americano saltou de 2 milhões de dólares por dia para um total de 11 milhões. «A guerra aérea custou aos Estados Unidos cerca de 5.500 milhões de dólares desde o seu início em 2014, informava o Business Insider. É provável que a escalada na Líbia produza em breve números ainda mais assombrosos.
Como era de esperar, é uma boa altura para fazer negócios para todos os que beneficiam com as guerras. Ao mesmo tempo, o ciclo de guerra e violência continua a alimentar-se a si próprio sem um fim à vista.
Confiar em que os bombardeamentos aéreos sejam o profilático da paz é absurdo escreveu recentemente Vijav Prashad, professor de estudos internacionais no Trinity College em Hartford, sobre a inutilidade da guerra de ataques aéreos. A única coisa conseguida é a instabilidade e caos. Há que abrir outras rotas. Admitir outros caminhos.
Não posso estar mais de acordo.
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*Ramzy Baroud escreve há mais de vinte anos sobre o Médio Oriente. É colunista internacional, autor de vário livro e fundador da Palestine Chronicle.com. O seu último livro intitula-se Meu pai foi um combatente pela liberdade. A historia não contada de Gaza.
Este artigo foi publicado por rebelion.org
                
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