quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Altamiro Borges: A Bolívia que a mídia oculta

 

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013


Altamiro Borges: A Bolívia que a mídia oculta


30/01/2013

Economia boliviana vive período de expansão, impulsionada pela força do mercado interno e pelo aumento dos investimentos públicos

Escrito por: Blog do Miro

Na semana passada, o presidente Evo Morales fez um balanço sobre os avanços do seu governo. A mídia colonizada – que “fala fino com Washington e fala grosso com a Bolívia”, como já ironizou Chico Buarque – preferiu ocultar as boas notícias do país vizinho, como se ele não existisse.
No seu velho padrão de manipulação da informação, como ensina o mestre Perseu Abramo, a mídia realça o que lhe interessa e omite o que não lhe interessa. No caso da Bolívia, ela só é notícia quando ocorrem fatos negativos.

Segundo o balanço, que faz parte do novo censo nacional, a economia boliviana vive um período de expansão, impulsionada pela força do mercado interno e pelo aumento dos investimentos públicos. O país está nos primeiros lugares do ranking de crescimento na região. Enquanto a média de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) entre os anos de 1999 a 2005 foi de 2,6%, nos últimos seis anos ele atingiu os 4,8%. No mesmo período, a média da renda per capita da população subiu de US$ 956 para US$ 1.775.

O governo teve papel decisivo como indutor do desenvolvimento. O Estado elevou sua participação na economia de 18,5% para 30,6% em 2012, com o aumento de investimentos e a estatização de empresas. Isso rendeu ao setor público um crescimento na receita de exportação: no caso dos minerais, o governo passou a arrecadar cerca de US$ 11,3 bilhões no período de 2006 a 2012 - quase 10 vezes mais que os US$ 1,75 bilhão entre 1999 e 2005. “Agora dependemos menos do mercado externo”, festejou Morales.

Os avanços na economia tiveram reflexos diretos na melhoria do bem-estar dos bolivianos. Entre 2006 e 2012, mais de 1,6 milhão de pessoas se beneficiaram com projetos de água potável e saneamento básico da campanha Minha Água, que tem como objetivo atingir até 2015 os “objetivos do milênio” traçados pela ONU. Com a introdução de bolsas escolares de US$ 29 para jovens da escola primária e secundária, o governo reduziu o número de deserção escolar e aumentou o número de alfabetizados.

Nos sete anos de mandato de Evo Morales, o governo também investiu pesado na saúde pública em todas as regiões do país. Mais de 10 mil postos de saúde foram criados. Com estas e outras medidas, a diferença entre as taxas de natalidade e mortalidade diminuiu de 2,74% para 2,03%. A população boliviana teve um crescimento de 25,5% nos últimos dez anos, chegando à marca dos 10,3 milhões de habitantes em 2012. Infelizmente, estas boas notícias não mereceram o devido destaque da mídia colonizada do Brasil.

Ao festejar o balanço altamente positivo, o presidente Evo Morales se comprometeu em manter o ritmo das mudanças para atingir os “13 pilares do programa de governo para uma Bolívia digna e soberana”:

1- Erradicação da pobreza extrema;
2- Universalização de serviços básicos para “viver bem”;
3- Saúde, educação e esportes para “formação de um ser humano integral”;
4- Soberania científica e tecnológica;
5- Desenvolvimento integral “sem a ditadura do mercado capitalista”;
6- Soberania financeira;
7- Nacionalização e industrialização dos recursos naturais;
8- Soberania alimentar;
9- Defesa do meio ambiente, “respeitando os direitos da Mãe Terra”;
10- Integração soberana da América Latina;
11- Transparência na gestão pública com base nos princípios de “não roubar, não mentir e não ser frouxo”;
12- Desenvolvimento e desfrute da cultura boliviana;
13- Reencontro com “a nossa alegria, felicidade, prosperidade e nosso mar”.

Hezbolá :Ataque Israeli contra Síria

Hezbolá: el Ataque Israelí Contra Siria Pone de Manifiesto el Complot contra Nuestro Pue
Equipo del Sitio Web de Al Manar
En una declaración publicada por su Departamento de Relaciones con los Medios, Hezbolá considera el bombardeo israelí contra Siria como “un ataque salvaje que pone de manifiesto la política de la entidad sionista, que busca impedir que cualquier estado árabe y musulmán desarrolle sus capacidades tecnológicas y militares”.
“Del mismo modo que Hezbolá condena con firmeza el nuevo ataque sionista contra Siria, considera que este último revela de manera clara la realidad de lo que ha estado sucediendo en Siria desde hace dos años”.
El partido señala que el ataque “pone de manifiesto los criminales intentos a negar a Siria un papel en el camino de la resistencia dentro del marco de la conspiración contra Damasco y contra nuestros pueblos árabes y musulmanes”.
Hezbolá pide a la comunidad internacional y a los pueblos árabes y musulmanes que condenen el ataque, pero dijo que “estamos acostumbrados al silencio de esta comunidad” frente a tales ataques, “especialmente cuando el atacante es la entidad sionista”.
“Del mismo modo que Hezbolá expresa su solidaridad con Siria, su liderazgo, su Ejército y su pueblo, subraya la importancia de comprender la gravedad de la agresión que Siria sufre,” señala la declaración.
El partido también considera el ataque israelí como “una oportunidad para que algunos revisen sus posturas y adopten el diálogo como única solución posible al derramamiento de sangre en Siria”.

M. Chossudovsky: Terrorismo com face humana...!

Terrorismo com face humana:
A história dos esquadrões da morte dos Estados Unidos

Michel Chossudovsky
31.Jan.13 :: Outros autores

As forças governamentais sírias estão hoje a confrontar-se com o autoproclamado “Exército Livre da Síria” – FSA. É uma nova etapa da longa história da criação de grupos de acção destinados ao desempenho das tarefas mais sanguinárias e criminosas, nas quais o imperialismo aparentemente não suja as mãos e por cujos crimes julga que não prestará contas.


O recrutamento de esquadrões da morte, faz parte de uma agenda da inteligência militar bem estabelecida nos Estados Unidos. Existe uma longa história de formação e apoio, dissimulado, a brigadas de terror e a assassínios de alvos políticos, que vem do tempo da guerra do Vietnam.
As forças governamentais sírias estão hoje a confrontar-se com o autoproclamado “Exército Livre da Síria” – FSA. No contexto actual isso exige focar as raízes históricas da guerra, para já encoberta, do ocidente contra a Síria, guerra essa que já resultou em inúmeras atrocidades. As raízes históricas da situação serão então aqui analisadas e apresentadas.
Desde o início, em Março de 2011, os Estados Unidos e seus aliados têm apoiado a formação de esquadrões da morte, bem como a invasão do território da Síria por brigadas terroristas. Trata-se de um trabalho organizativo, cuidadosamente planeado.
O recrutamento e o treino de brigadas terroristas, tanto no Iraque como na Síria, foram elaborados segundo o modelo da denominada “Salvador Option”, aqui traduzida como “A Opção de El-Salvador”. É um modelo terrorista para mortes e assassínios em massa, levados a cabo por um governo estabelecido. Em El-Salvador, na América Central, o cenário configurado segundo o modelo “Salvador Option” foi implementado pelos esquadrões da morte patrocinados pelos Estados Unidos.
Esse modelo de recrutamento e treino de brigadas terroristas, por governos constituídos, foi implementado no próprio El Salvados no apogeu da resistência contra a ditadura militar no país. O resultado final foi avaliado em cerca de 75.000 mortes.
Os esquadrões da morte na Síria de hoje fazem parte desse contexto. Tendo começado em El Salvador, o modelo foi desenvolvido no Iraque. Os esquadrões da morte agora na Síria foram construídos sobre a base da história e da experiência das brigadas terroristas no Iraque. Brigadas terroristas essas patrocinadas, como foi dito, pelos Estados Unidos.
O Pentágono denominou esse seu programa de “contra-insurreição”- “counterinsurgency”.
[Definindo termos: Observar aqui a necessidade de se exigir definições rigorosas e convincentes dos termos usados:- qual é a validade de se invadir um país e depois denominar a reacção dos habitantes alternadamente como insurreição, rebelião, ou mesmo “terrorismo”?]
O ESTABELECIMENTO DOS ESQUADRÕES DA MORTE NO IRAQUE
Os esquadrões da morte patrocinados pelos Estados Unidos foram recrutados no Iraque em 2004-2005 numa iniciativa lançada sob a direcção do embaixador americano John Negroponte, que foi enviado para Bagdad pelo Departamento do Estado Americano em Junho de 2004.
Negroponte era o homem certo para o trabalho, uma vez que tinha sido embaixador em Honduras de 1981 a 1985. Negroponte desempenhou um papel central no apoio e supervisão dos Contras de Nicarágua, que estavam baseados em Honduras. Ao mesmo tempo também supervisionava as actividades dos esquadrões da morte – militares- de Honduras.
“No governo do general Gustavo Alvarez Martinez, o governo militar de Honduras era tanto mais um aliado íntimo da administração de Reagan quanto mais “fazia desaparecer” numerosos opositores políticos. Isso segundo a clássica forma de trabalho utilizada por esquadrões da morte.”
Em Janeiro de 2005, o Pentágono confirmou que estava a considerar:
“formar esquadrões de ataque de combatentes Shiitas e Curdos para atacar líderes da resistência iraquiana. E isso segundo uma mudança estratégica oriunda da experiência da luta contra as guerrilhas de esquerda da América Central, 20 anos antes”.
Sob a denominada “Opção El Salvador” forças iraquianas e americanas deveriam ser enviadas para matar ou sequestrar líderes da insurreição, mesmo na Síria, onde alguns dos insurgentes teriam tido então abrigo. Sendo controversos estes esquadrões de ataque, deveriam provavelmente ter de ser mantidos secretos.
A experiência dos “esquadrões da morte” na América Central continua a ser para muitos uma experiência brutal, e continua ainda a contribuir para manchar a imagem dos Estados Unidos na região. Está ainda bem presente como a administração de Reagan atribuiu fundos e treinou equipas de forças nacionalistas para neutralizar os líderes rebeldes salvadorenhos, bem como os que com eles simpatizavam.
John Negroponte, o embaixador americano em Bagdad, dispunha de um local privilegiado de observação dado o seu tempo como embaixador em Honduras em 1981-85.
Esquadrões da morte era uma parte brutal da política latino-americana de então…
No começo dos anos oitenta a administração de Reagan concedeu fundos e treino aos Contras de Nicarágua baseados em Honduras, com o objectivo de derrubar o regime sandinista de Nicarágua. Os Contras foram equipados com dinheiro obtido pela venda americana, ilegal, de armas ao Irão. Foi um escândalo que poderia ter derrubado Reagan do poder.
O sentido da proposta do Pentágono no Iraque… era o de seguir esse modelo…
Não ficou claro se o objectivo principal da missão seria o de matar os rebeldes ou sequestrá-los para os levar a interrogatório no Iraque…mas.. qualquer missão na Síria seria provavelmente realizada pelas Forças Especiais dos Estados Unidos.
Também não ficou claro quem iria ter a responsabilidade pelo programa, se o Pentágono ou a Agência Central de Inteligência, ou seja, a CIA. Essas operações encobertas têm sido tradicionalmente realizadas pela CIA, de forma a não serem directamente atribuídas à administração no poder, e dando aos responsáveis americanos a possibilidade de negar conhecimento da situação. (El Salvador-style “death squads” to be deployed by US against Iraq militants – Times Online, January 10, 2005,– as aspas foram acrescentadas)
Enquanto o objectivo especificado da “Opção Salvadorenha para o Iraque” seria o de acabar com a resistência, na prática as brigadas terroristas patrocinadas pelos Estados Unidos envolveram-se em matanças frequentes de civis, tendo em vista o atiçar de uma violência sectária.
Por seu turno, a CIA assim como a MI6 estavam a superintender unidades da “Al Qaeda no Iraque” envolvidas em assassínios de alvos específicos e dirigidos contra a população Shiita. É importante ressaltar que os esquadrões da morte foram integrados e aconselhados, encoberta e dissimuladamente, pelas Forças Especiais dos Estados Unidos.
Robert Stephen Ford – Depois nomeado embaixador dos Estados Unidos na Síria, fazia parte da equipa de Negroponte em Bagdad durante o período de 2004-2005. Em Janeiro de 2004 foi enviado como representante americano para a cidade Shiita de Najaf, que era um foco forte do exército “Mahdi”, com o qual fez contactos preliminares.
Em Janeiro de 2005, Robert S. Ford foi nomeado Ministro Conselheiro para Assuntos Políticos – Minister Counsellor for Political Affairs- na Embaixada dos Estados Unidos, sob a direcção do embaixador John Negopronte. Não fazia somente parte do círculo mais próximo e restrito de Negroponte. Era também o seu associado no estabelecimento da “Opção Salvadorenha” no Iraque. O terreno já tinha então sido preparado em Najaf, antes da transferência de Ford para Bagdad.
John Negroponte e Robert Stephen Ford foram encarregados de recrutar os esquadrões da morte iraquianos. Enquanto Negroponte coordenava as operações a partir de seu gabinete na Embaixada dos Estados Unidos, Robert S. Ford, que falava fluentemente tanto árabe como a língua turca, teve a incumbência de estabelecer contactos estratégicos com os grupos militantes Shiitas e Curdos, fora da “Zona Verde”-“Green Zone”.
Dois outros oficiais da embaixada, nomeadamente Henry Ensher – auxiliar ou adjunto de Ford, bem como um oficial mais jovem da secção política, Jeffrey Beals, tiveram um papel importante na equipa que então “falava com alguns segmentos iraquianos, incluindo extremistas”. (Veja The New Yorker, March 26, 2007). Uma outra pessoa chave na equipa de Negroponte era James Franklin Jeffrey, embaixador dos Estados Unidos na Albânia 2002-2004. Jeffrey veio a tornar-se embaixador dos Estados Unidos para o Iraque, entre 2010-2012.
Negroponte também trouxe para a equipa um de seus antigos colaboradores, o Coronel James Steele, retirado dos seus dias de apogeu em Honduras.
Durante a “Opção El Salvador” no Iraque, Negroponte teve como assistente um colega dos anos oitenta, ou seja, dos seus dias na América Central. Esse colega de Negroponte no Iraque era então o aposentado Coronel James Steele.
Steele, que recebeu em Bagdad o título de Conselheiro das Forças de Segurança Iraquianas -Counselor for Iraqi Security Forces - supervisionou a selecção e o treino dos membros da Organização Badr e do Exército Mahdi, as duas maiores milícias Shiitas, no Iraque. Isto com a intenção de tomar como alvo a direcção e a rede de apoio da resistência, primordialmente Sunnita, do Iraque. Tenha sido planeado dessa forma ou não, esses esquadrões da morte ficaram rapidamente fora de controlo e iriam tornar-se a causa de morte número 1 no Iraque.
Tenha ou não sido essa a intenção inicial, o enorme número de corpos torturados e mutilados surgido todos os dias nas ruas de Bagdad foi obra dos esquadrões da morte, que por sua vez eram impulsionados por John Negroponte. E foi a violência sectária apoiada pelos Estados Unidos que levou em muito grande parte ao infernal desastre que é o Iraque de hoje. (Dahr Jamail, Managing Escalation: Negroponte and Bush´s New Iraq Team. Antiwar.com, January 7, 2007)
De acordo com o Republicano Dennis Kucinich o coronel Steele era o responsável, pela implementação do plano em El Salvador, onde dezenas de milhares de salvadorenhos “desapareceram” ou foram assassinados, inclusive então também o Arcebispo Oscar Romero, bem como quatro freiras americanas.
Logo que foi nomeado para Bagdad, o Coronel Steele foi encaminhado para a unidade de contra-insurreição, unidade essa conhecida como o Comando Policial Especial- “Special Police Commando”, do Ministério do Interior do Iraque. (Veja ACN, Havana, 14 de Junho 2006).
Relatórios confirmam que “os militares americanos entregaram muitos prisioneiros à Wolf Brigade – o temido 2º batalhão dos comandos especiais do ministério do interior”, que estava então estavam sob o comando do Coronel Steele. Os prisioneiros foram entregues para “interrogatórios adicionais”. Peter Mass do New York Times confirma que:
“Soldados US, conselheiros dos EUA, observavam, sem fazer nada,” enquanto membros da “Wolf Brigade” espancavam e torturavam os prisioneiros. Os comandos do Ministério do Interior do Iraque teriam então também ocupado a biblioteca pública de Samara para a transformar num centro de detenção.
Disse Mass que uma entrevista realizada em 2005 nesse local transformado em prisão e em companhia do conselheiro militar americano da “Wolf Brigade”, o coronel James Steele, foi interrompida pelos gritos aterrorizados de um prisioneiro no exterior. Tal como consta do seu historial, Steele foi empregado anteriormente como conselheiro para ajudar a esmagar a resistência em El Salvador.” (Ibid)
Um outro notório elemento que teve um papel no programa da contra-insurreição no Iraque foi o ex-Comissário da Polícia de Nova Iorque, Bernie Kerik, que em 2007 foi presente em tribunal federal para responder por 16 acusações judiciais.
Kerik foi o enviado pela administração de Bush, no começo da ocupação do Iraque, para organizar e treinar a força policial do Iraque. Durante o seu curto mandato em 2003, Kerik – que preencheu o posto de Ministro do Interior interino - trabalhou para organizar unidades de terror dentro da Força Policial do Iraque:
Mandado para o Iraque para pôr em forma as forças de segurança iraquiana, Kerik usava a denominação “ministro interino do interior do Iraque”. Entretanto, conselheiros policiais britânicos chamavam-no de “exterminador de Bagdad”, (Salon, 9 de Dezembro de 2004)
Sob a direcção de Negroponte, da Embaixada dos Estados Unidos em Bagdad, foi desencadeada uma onda de assassínios encobertos de civis, bem como também assassínios de pessoas entendidas como alvos. Engenheiros, médicos, cientistas e intelectuais foram alvos. O autor e analista geopolítico Max Fuller documentou em detalhe as atrocidades cometidas à sombra do programa de contra-insurreição patrocinado pelos Estados Unidos.
O surgimento dos esquadrões da morte foi primeiramente visível em Maio de 2005 quando foi informado que dezenas de corpos tinham sido depositados em terrenos baldios à volta de Bagdad. Todas as vítimas tinham as mãos presas em algemas, estavam com os olhos vedados e tinham sido baleadas na cabeça. Muitos deles mostravam sinais de terem sido brutalmente torturados.
A revelação foi suficiente para motivar a Associação de Académicos Muçulmanos – Association of Muslim Scholars, MAS -, uma conhecida e importante organização Sunita, para fazer declarações públicas nas quais acusavam as forças de segurança ligadas ao Ministério do Interior, bem como a Badr Brigade, a ex-ala armada do Conselho Supremo da Revolução Islâmica no Iraque –Supreme Council for Islamic Revolution in Iraq, SCIRI -, de estar por detrás dessas mortes. Acusaram também o Ministério do Interior de estar realizando terrorismo de estado (Financial Times).
Os Comandos Policiais bem como a “Wolf Brigade” eram supervisionadas pelo “programa de contra-insurreição” no Ministério do Interior do Iraque.
Os Comandos Policiais eram formados sob a experiência, orientação e supervisão de combatentes americanos, veteranos da contra-insurreição. Os comandos policiais iraquianos estão desde o começo conduzindo operações conjuntas com as unidades de forças de elite, altamente secretas.(Reuters, National Review Online).
James Steele foi uma figura chave no desenvolvimento dos Comandos Especiais da Polícia - Special Police Comandos - do Iraque. Foi um operacional das forças especiais do Exército dos Estados Unidos que tendo começado no Vietnam foi depois enviado para dirigir a missão militar dos Estados Unidos em El Salvador, no auge da guerra civil, no país.
Outro que contribuiu para desenvolver os Comandos Especiais da Polícia no Iraque foi Steven Casteel. O mesmo que, enquanto mais experiente conselheiro dos Estados Unidos no Ministério do Interior, descartou como “rumores e insinuações” as bem fundamentadas acusações de apavorantes violações dos direitos humanos que lhe eram apresentadas.
Tal como Steele, Casteel também ganhou considerável experiência na América Latina, no seu caso através da participação na perseguição ao barão da cocaína, Pablo Escobar, nas narco-guerras da Colômbia nos anos noventa…
O cenário da história pessoal de Casteel é importante nesse caso, porque o tipo de papel de apoio na recolha de informação e na produção de listas de morte, nas quais as suas experiências na América Latina foram então baseadas, são características do envolvimento dos Estados Unidos em programas de contra-insurreição, constituindo um elemento básico naquilo que doutra forma poderia parecer casual, ou resultante de orgias de carnificinas sem ligação entre si.
Comentários do Departamento de Defesa dos Estados Unidos em 2005: “Esse tipo de genocídio planificado de forma centralizada é consistente com os acontecimentos no Iraque”. É também consistente com o pouco que sabemos a respeito dos Comandos Especiais da Polícia, que foi projectada para prover o Ministério do Interior de uma força com capacidade especial de ataque”. (Departamento de Defesa dos Estados Unidos).
Max Fuller comentou, nesse contexto, que ao assumir esse papel os quartéis de Comando da Polícia se tinham tornado no centro de um comando nacional de controlo, comunicação, informática e inteligência – graças aos dos Estados Unidos. (Max Fuller, op cit)
Essa preparação inicial de terreno, estabelecida sob a direcção de Negroponte em 2005, permitiu a implementação das actividades pelo seu sucessor, o embaixador Zalmay Khalilzad. Robert Stephen Ford garantiu a continuidade do projecto antes da sua nomeação como embaixador dos Estados Unidos na Argélia em 2006, bem como depois do seu regresso a Bagdad, em 2008, como Chefe Adjunto da Missão –Deputy Chief of Mission,.
SÍRIA: “APRENDENDO PELA EXPERIÊNCIA DO IRAQUE”
A macabra versão iraquiana da “Opção El Salvador” sob a direcção do embaixador John Negroponte serviu como modelo para a construção dos Contras do “Exército Livre da Síria”. Robert Stephen Ford esteve muito provavelmente envolvido na implementação do projecto dos Contras na Síria, depois da sua designação como Chefe Adjunto da Missão –Deputy Head of Mission em Bagdad, 2008.
Na Síria o objectivo era o de criar divisões faccionais entre as comunidades Sunitas, Shiitas, Curdas e Cristãs. Embora o contexto da Síria seja completamente diferente do contexto do Iraque, existem também surpreendentes similaridades no que diz respeito aos procedimentos segundo os quais as atrocidades e matanças foram e continuam sendo conduzidas.
Uma reportagem publicada pelo Der Spiegel relativa às atrocidades cometidas na cidade síria de Homs confirma um processo sectário de assassínios em massa e mortes extrajudiciais, ou seja assassínios, comparável com o conduzido pelos esquadrões da morte no Iraque, esquadrões esses patrocinados pelos Estados Unidos.
Em Homs as pessoas eram habitualmente classificadas como “prisioneiros” (Shia, Alawita) e “traidores”. Os traidores eram os civis Sunitas dentro da área urbana ocupada pelos rebeldes, que exprimissem discordância ou oposição face ao reino de terror do Exército Livre da Síria -“Free Syrian Army” – FSA:
“Desde o último verão [2011] nós executamos pouco menos que 150 homens, o que representa cerca de 20% dos nossos prisioneiros,” disse Abu Rami. Mas os executores de Homs estiveram mais ocupados com traidores dentro de suas próprias hostes do que com prisioneiros de guerra. “Se damos com um Sunita espiando, ou se um cidadão trai a revolução, fazemos o processo curto”, disse o combatente. De acordo com Abu Rami, “Hussein´s burial brigade” teria morto 200 a 250 “traidores” desde o começo da sublevação.” (Der Spiegel, March 30, 2012)
PROJECTO EM ANDAMENTO AVANÇADO
A preparação activa da operação síria terá sido certamente iniciada quando da chamada de Ford da Argélia, em meados de 2008, para um novo mandato na embaixada dos Estados Unidos no Iraque.
O processo exigia um programa inicial de recrutamento e treino de mercenários. Esquadrões da morte, incluindo unidades Salafistas do Líbano e da Jordânia entraram pela fronteira sul da Síria com a Jordânia em meados de Março de 2011. Muita da preparação do terreno estava já pronta antes da chegada de Robert Stephen Ford a Damasco em Janeiro de 2011.
EMBAIXADOR FORD EM HAMAS NO COMEÇO DE JULHO 2011
A nomeação de Ford como embaixador na Síria foi anunciada no começo de 2010. As relações diplomáticas tinham estado cortadas desde 2005, após o assassinato de Rafik Hariri, de cuja responsabilidade os Estados Unidos acusaram a Síria. Ford chegou a Damasco apenas dois meses antes do começo da insurreição.
O EXÉRCITO LIVRE DA SÍRIA - FSA
Washington e os seus aliados reproduziram na Síria as características essenciais da “Opção El Salvador do Iraque”, levando à criação do Exército Livre da Síria -FSA- e das suas várias facções incluindo a brigada “Al Nusra”, filiada a Al Qaeda.
Apesar da criação do Exército Livre da Síria –FSA ter sido anunciada em Junho de 2011, o recrutamento e treino dos mercenários vindos de fora do país fora iniciado muito antes.
Em muitos aspectos, o Exército Livre da Síria é uma cortina de fumo, utilizada para enevoar e desvanecer os contornos da realidade. O denominado Exército Livre da Síria é apresentado pelos media ocidentais como uma entidade de boa-fé, estabelecida como resultado de defecções em massa das forças governamentais. O número das defecções, no entanto, não foi nem significativo nem suficiente para estabelecer uma estrutura militar coerente, com os devidos comandos e controlos de função.
O Exército Livre da Síria não é uma entidade militar profissional, é mais uma rede não estruturada, constituída por diversas brigadas terroristas, as quais por seu turno são constituídas por muitas células paramilitares agindo em diversas partes do país.
Cada uma dessas organizações opera independentemente. O Exército Livre da Síria- FSA, não exerce funções de controlo ou comando efectivos e isso inclui também a não efectividade nas suas ligações e contactos com as entidades paramilitares. Essas entidades paramilitares estão na sua grande parte controladas pelas forças especiais, bem como profissionais da inteligência, patrocinados pelos EUA-OTAN. Tanto as forças especiais como os profissionais da inteligência são encaixados, ou incrustados, nas alas das várias formações terroristas.
Essas forças especiais “no solo” – muitas das quais contratadas a empresas particulares de segurança, estão regularmente em contacto com EUA-OTAN, bem como também com unidades de comando da inteligência militar dos outros envolvidos. As Forças Especiais estão, muito provavelmente, também envolvidas nos ataques devastadores, muito cuidadosamente planeados, dirigidos contra as instalações governamentais, conjuntos militares e muitos outros objectivos centrais e sensíveis.
Os esquadrões da morte são mercenários recrutados e treinados pelos EUA-OTAN, e seus aliados do Golfo Pérsico, GCC. São supervisionados pelas forças especiais aliadas, bem como por empresas particulares de segurança - em contrato com a OTAN e o Pentágono. Relatórios confirmam o aprisionamento pelas forças governamentais da Síria de cerca de 200-300 contratados de firmas particulares de segurança, contratados esses que estavam integrados nas alas dos rebeldes.
A FRENTE AL NUSRA
A Frente Al Nusra - que se julga filiada em Al Qaeda - é descrita como o grupo rebelde mais eficiente na luta da oposição. Al Nusra é o grupo responsável por muitos dos maiores – high profile- ataques bombistas. O grupo Al Nusra é apresentado como um inimigo dos Estados Unidos, e está na lista de organizações terroristas do Departamento de Estado.
Entretanto, as acções da Al Nusra apresentam as características, ou impressões digitais, dos treinos e das tácticas paramilitares dos Estados Unidos. As atrocidades cometidas contra civis pelo grupo Al Nusra são similares àquelas cometidas pelos esquadrões da morte patrocinados pelos EUA no Iraque.
Nas palavras do líder da Al Nusra, Abu Adnan, in Aleppo:- “Jabhat al-Nusra conta com veteranos sírios da guerra do Iraque entre os seus efectivos, homens que trazem perícia – especialmente na construção de dispositivos explosivos (IEDs) para a frente na Síria.”
Tal como no Iraque, a violência entre facções e limpeza étnica foi activamente promovida. Na Síria as comunidades Alawita, Shia e Cristãs foram alvo dos esquadrões da morte patrocinados pelos EUA-OTAN. A comunidade cristã foi um dos alvos centrais no programa de assassínios.
Relatórios confirmam o fluxo de Salafistas e esquadrões da morte filiados a Al Qaeda sob os auspícios da Irmandade Muçulmana para o interior da Síria, desde o começo da insurreição em Março 2011.
Mais ainda, numa reminiscência do alistamento dos Mujahideen para combater a jihad –guerra santa - da CIA no auge da guerra União Soviética-Afeganistão, o anúncio de que a OTAN e a Turquia (the Turkish High command) tinham iniciado “uma campanha para alistar milhares de voluntários Muçulmanos nos países do Médio Oriente e no Mundo Muçulmano para lutar lado a lado com os rebeldes sírios. O Exército turco iria acolher esses voluntários, treiná-los e proporcionar a passagem dos mesmos para o interior da Síria. (DEBKAfile, NATO to give rebels anti-tank-weapons, August 14, 2011).
De acordo com o que tem sido informado, empresas particulares de segurança operando dos países do Golfo estão envolvidas no recrutamento e treino de mercenários.
Apesar de não especificamente identificados com o recrutamento dos mercenários dirigidos contra a Síria, relatórios apontam para uma criação de campos de treino no Qatar e nos Emirados Árabes Unidos –UAE. Na cidade militar de Zaved – Zaved Military City, UAE, “um exército secreto está sendo construído”, operado por Xe Services, antes denominado Blackwater. O acordo da UAE para estabelecer um campo militar para treino de mercenários foi assinado em Julho de 2010, nove meses antes dos furiosos ataques contra a Líbia e a Síria.
Segundo desenvolvimentos recentes, empresas de segurança a contrato com a OTAN e o Pentágono estiveram envolvidas no treino dos esquadrões da morte no uso de armas químicas.
“Os Estados Unidos e alguns aliados europeus estão a utilizar contratados da defesa para treinar os rebeldes sírios na forma de garantir o aprovisionamento de armas químicas na Síria, segundo informaram domingo a CNN um oficial sénior dos Estados Unidos e diversos diplomatas.” (CNN Report, December 9, 2012)
Os nomes das companhias envolvidas não foram revelados.
ATRÁS DE PORTAS FECHADAS NO DEPARTAMENTO DE ESTADO-US
Robert Stephen Ford fazia parte de uma pequena equipe no Departamento do Estado Americano que supervisionava o recrutamento e treino de brigadas terroristas, conjuntamente com Derek Chollet e Frederic C. Hof, um ex-associado de negócios de Richard Armitage, que serviu como “coordenador especial” de Washington em assuntos da “Síria”. Derek Chollet foi recentemente nomeado para a posição de “Assistant Secretary of Defense for International Security Affairs” (ISA)- [Secretário Auxiliar da Defesa para Assuntos de Segurança Internacional]
Essa equipa trabalhou sob a direcção do ex- Secretário de Estado Auxiliar para Assuntos do Próximo Oriente –Near Eastern Affairs -, Jeffrey Feltman.
A equipa de Feltman estava em contacto próximo com os processos de recrutamento e treino dos mercenários da Turquia, Qatar, Arábia Saudita e Líbia (cortesia do regime pós-Khadafi, que despachou 600 tropas da “Libya Islamic Fightin Group”-LIFG para a Síria, via Turquia, nos meses a seguir o colapso do governo de Kadhafi, em Setembro 2011).
O Secretário do Estado Auxiliar, Feltman, esteve em contacto com o Ministro do Exterior Saudita, o Príncipe Saud al Faisal , e o Ministro do Exterior de Qatar, Sheik Hamad bin Jassim. Esteve encarregado do gabinete para “coordenação especial de segurança” relacionado a Síria e baseado em Doha. Esse gabinete incluía representantes das agências de inteligência do ocidente, assim como do GCC e representantes da Líbia. O Príncipe Bandar bin Sultan, um proeminente e controverso membro da inteligência Saudita fazia parte desse grupo. (Veja Press TV, May 12, 2012).
Em Junho de 2012, Jeffrey Feltman foi designado UN Under-Secretary-General for Political Affairs, uma posição estratégica que na prática consiste em influenciar a agenda da ONU (em favor de Washington) em assuntos relativos a “Resolução de Conflitos” em vários focos de problema à volta do globo. Isso inclui Somália, Líbano, Líbia, Síria, Iémen e Mali. Numa amarga ironia, os países em agenda para a “resolução de conflitos” da ONU são aqueles mesmos que têm sido e são alvos das operações, encobertas, dos Estados Unidos.
Global Research, 2013-01-04
Tradução: Anna Malm* - Correspondente de Pátria Latina na Europa

Para que serve o nosso Sindicato?

 

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013



Para que serve o nosso Sindicato?


Avante Bancário - Unidade classista Rio de Janeiro



A pergunta acima deve estar sendo feita por muitos colegas bancários, principalmente os do Santander, Itaú, Bradesco e Banco do Brasil. Afinal, foi só terminar a campanha salarial “vitoriosa”, segundo avaliação da direção do Sindicato, para começarem os ataques contra os mais elementares direitos dos trabalhadores bancários.
Nos bancos privados, as demissões em massa, que já vinham acontecendo, se intensificaram, de outubro para cá foram milhares de bancários colocados no olho da rua. Os banqueiros não aliviaram nem durante os festejos natalinos, o presente de muitos bancários foi uma carta de demissão sem justa causa.
No Banco do Brasil, os prepostos do governo Dilma, fazem o que bem entendem. Depois de assinado o Acordo Coletivo, deram início as retaliações e perseguições contra os bancários que fizeram greve ou simplesmente recorrem a Justiça do Trabalho procurando defender seus direitos. No BB as ameaças, descomissionamentos, transferências e até demissões, se tornaram rotina.
Querendo, cada vez mais, fazer do BB um clone do Bradesco, sua direção baixou um pacote de reestruturação das áreas meio do banco, implicando na concentração desses serviços e certamente em mais terceirizações. Além disso, com o objetivo de reduzir seu enorme passivo trabalhista, joga um novo plano de cargos instituindo comissões com jornada de seis horas, ao mesmo tempo aplicando a redução dos salários.
Com tudo isso acontecendo, a direção do Sindicato do Rio, controlada em sua maioria pela turma do PT e da CUT, não faz absolutamente nada! Com relação às demissões nos bancos privados é fundamental colocar a luta pela estabilidade como prioridade, caso contrário, a campanha avaliada como “vitoriosa”, na verdade é uma fraude contra os bancários.
No caso do BB, até mesmo Sindicatos filiados a CUT, como os de Brasília e Pernambuco, estão chamando reuniões plenárias para discutir o que fazer diante do pacote imposto pelo banco. Outros Sindicatos convocaram Assembléias com o mesmo objetivo. Mas no Rio de Janeiro, cidade que reúne uma das maiores concentrações de bancários do país, parece que Assembléia é um terror, pelo menos para a diretoria do Sindicato.
Nós da Unidade Classista estamos chamando os bancários para unirmos nossos esforços, contra as demissões nos bancos privados e contra os planos de reestruturação e exploração no Banco do Brasil, exigindo do Sindicato do Rio a convocação imediata de uma Assembléia Geral da Categoria Bancária para discutir esses problemas.
Sem organização e mobilização não podemos enfrentar a política dos banqueiros e do governo Dilma!

Assembléia Geral dos Bancários Já!

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

D. Losurdo :A razão à prova das grandes crises históricas

 

 

A razão à prova das grandes crises históricas

por Domenico Losurdo [*]
Tomada da Bastilha. Como explicar a grande crise histórica que principia com a Revolução Francesa e que, um quarto de século mais tarde, é concluída (provisoriamente) com o retorno dos Bourbons? Friedrich Schlegel e a cultura a Restauração não cessaram de denunciar a "doença política" e o "flagelo contagioso dos povos" que estrondeiam a partir de 1789; mas é o próprio Metternich que alerta contra a "peste" ou o "cancro" que devasta os espíritos [1] . Para sermos mais exactos – indo mais longe do que este outro ideólogo da Restauração que é Baader – estamos na presença de uma "loucura de possessão satânica"; ao derrube do Antigo Regime sucedeu não a democracia mais sim a "demonocracia" [2] , ou seja, o poder de Satã.

Mais tarde, após a vaga da revolução de 1848 e sobretudo da revolta operária, Tocqueville vai desenvolver a abordagem psicopatologisante: o que vai explicar a "doença da Revolução Francesa" é a propagação de um "vírus de uma espécie nova e desconhecida" [3] . Nos seus Souvenirs, referindo-se ao momento em que começa a subir a agitação que desembocará nas jornadas de Junho, o liberal francês faz dizer a "um médico de mérito que dirigia então um dos principais hospitais de loucos de Paris": "Que infelicidade e como é estranho pensar que são loucos, verdadeiros loucos, que provocaram isto! A todos operei ou tratei. Blanqui é um louco, Barbès é um louco, Sobrier é um louco, Huber sobretudo é um louco, todos loucos, senhor, que deveriam estar no meu [hospital de] Salpêtrière e não aqui". Tocqueville acrescenta a seguir: "Sempre pensei que nas revoluções e sobretudo nas revoluções democráticas, os loucos, não aqueles aos quais se dá este nome por cortesia, mas os verdadeiros, desempenharam um papel político muito considerável" [4] .

Tocqueville. A referência a forças de alguma forma infernais não faltará daí em diante: nas jornadas de Junho, Tocqueville ouve soar "uma música diabólica" nos bairros que se preparavam para resistir e que convocam os habitantes à luta tocando a "generala". Os habitantes ouvem e preparam-se com um "ar sinistro", perdendo seus traços humanos. Eis a agitar-se de modo insensato uma "velha" que parece uma feiticeira: "A expressão odiosa e terrível do seu rosto fez-me horror, tanto o furor das paixões demagógicas e a raiva das guerras civis estavam nele bem representados".

Na véspera da Comuna de Paris, a abordagem psicopatológica celebra o seu triunfo com Taine:
"Se há para os corpos doenças epidémicas e contagiosas, há também para os espíritos e esta é então a doença revolucionária. Ela se encontra em simultâneo sobre todos os pontos do território e cada ponto infectado contribui para a infecção dos outros [...] Em todas as partes as mesma febre, o mesmo delírio e as mesmas convulsões indicando a presença do mesmo vírus, e este vírus é o dogma jacobina". [5]
Não só a Comuna como todo o ciclo revolucionário francês é posto na conta do "vírus" e da "alteração do equilíbrio normal das faculdades" [6] . Lancemos um olhar a tal ou tal actor da revolução: "O médico reconheceria de imediato um destes loucos lúcidos que não encerra, mas que são os mais perigosos" (VII, 205). Com efeito, Marat comporta-se como "seus companheiros [do hospital] de Bicêtre" (VII, 208). Como se pode ver, passámos do Sapetrière de Tocqueville para o Bicêtre, mas a explicação das crises revolucionárias continua a ser procurada nos hospícios. Aos olhos de Taine também a loucura revolucionária tem algo de diabólico. Se Voltaire é um "demónio encarnado", Saint-Just e o protagonista de uma espécie de rito satânico: "Esmagar e subjugar torna-se uma voluptuosidade intensa, saboreada pelo orgulho íntimo, um fumo de holocausto que o déspota queima no seu próprio altar; neste sacrifício quotidiano, ele é em simultâneo o ídolo e o padre, e oferece-se vítimas para ter consciência da sua divindade" [7] .

O ciclo que principia na Rússia em 1905 é comparável ao ciclo revolucionário francês. A cultura dominante vai então reactualizar o "diagnóstico" já efectuado. O "vírus de uma espécie nova e desconhecida" migra da França para a Rússia: é assim, num retorno explícito a Tocqueville, que argumentam François Furet e o sovietólogo estadunidense Richard Pires [8] .

A leitura em termos psicopatológicos das grandes crises históricas está de tal modo difundida actualmente que até se pode observá-las nas categorias centrais do discurso político. Em 1964, Adorno vê no "totalitarismo psicológico" o fundamento do totalitarismo propriamente dito: há indivíduos que "não têm à sua disposição senão um eu fraco e em consequência têm necessidade, como substitut, da identificação com um grande colectivo e da sua cobertura". Não só desvanece-se assim a situação objectiva, a geopolítica e a história, mas os próprios ideólogos não desempenham qualquer papel: "Os caracteres submetidos à autoridade são avaliados de modo totalmente erróneo ainda que sejam construídos a partir de uma ideologia político-económica determinada" [9] .

'. A deriva psicologista acaba por emergir também em Arendt. Com efeito, é recorrente nas Origens do totalitarismo a denúncia do "desprezo totalitário pela realidade e pelos próprios factos", pela "loucura" que a "sociedade totalitária" demonstra. Esta não é a busca com métodos brutais e sem nenhum escrúpulo moral de objectivos em todo caso logicamente compreensíveis. Não, no totalitarismo tratamos dos "paranóicos" (10): "A agressividade do totalitarismo não nasce do apetite de poder e o seu expansionismo ardente não visa a expansão para si mesmo, não mais do que o lucro; suas razões são unicamente ideológicas: trata-se de tornar o mundo mais coerente, de provar o bom fundamento do seu mau entendimento" (p. 810). Por outras palavras, o totalitarismo é a loucura que quer a loucura.

Eis-nos chegados de alguma forma à cultura da Restauração, como se verifica a partir de um pormenor ulterior. Quanto aos "regimes totalitários" (não só o regime hitleriano como também o staliniano), Arendt faz intervir a categoria de "mal absoluto", que já não podem mais explicar "as vis motivações do interesse pessoal, da culpabilidade, da cobiça, do ressentimento, do apetite de potência e da covardia" (p. 811) e que portanto não pode ser explicado racionalmente. O Satã de que fala a cultura da Restauração é aqui tornado o mysterium iniquitatis.

Mas porque a abordagem psicologisante deve ser considerada como errónea e mistificadora? Vejamos o que se passa nos Estados Unidos, nas vésperas da Guerra de Secessão, ou seja, deste trágico conflito que acaba por desembocar numa revolução abolicionista. Nos campeões do Sul escravocrata, comparam-se os abolicionistas aos jacobinos, eles próprios afectados pela loucura. Mas ocorre aqui uma novidade. Faz-se também um diagnóstico psicopatológico para os escravos. O número dos escravos fugitivos aumenta e os ideólogos da escravatura espantam-se: como é possível que pessoas "normais" se subtraiam a uma sociedade tão bem ordenada? Eis-nos claramente na presença de um espírito perturbado. Mas de que se trata? Em 1851, Samuel Cartwright, eminente cirurgião e psicólogo da Luisiânia, partindo do facto de que em grego clássico drapetes é o escravo fugitivo, conclui triunfalmente que a perturbação psíquica que leva os escravos negros à fuga é precisamente a drapetomania [11] . Outros ideólogos constatam que os escravos não obedecem mais às ordens dos mestres com a mesma celeridade anterior. O diagnóstico psicopatologisante intervém de novo: a doença em questão é agora a "disestesia", ou seja, a incapacidade dos escravos para compreender e reagir com celeridade às ordens do mestre [12] .

'Nietzsche No século XIX vemos desenvolver-se uma outra revolução, a revolução feminista. E novamente caímos na denúncia da loucura e da degenerescência que estaria na base desta novidade incrível. É um grande filósofo, Friedrich Nietzche, que fala das protagonistas desta revolução como mulheres falhadas que desconhecem a sua natureza de mulheres e são mesmo incapazes de engendrar: "Emancipação da mulher – eis o que é o ódio instintivo da mulher falhada, ou seja, incapaz de procriar, contra a mulher de bom comportamento". A polémica contra o movimento feminista é tão rude que leva o filósofo a declarações de um filistinismo desarmante. As "emancipadas" seriam "mulheres fracassadas" ou então "aquelas que não o estofo para terem filhos" [13] . Pode-se tirar uma conclusão: historicamente, não se encontra desafio à opressão que não tenha sido taxado de loucura, de deformação da saúde e da normalidade.

De resto, o diagnóstico psicopatologisante caracteriza-se pelo seu lado arbitrário. Pode-se constatá-lo até nos grandes autores. Em 1950, ao publicar seus estudos sobre a "personalidade autoritária", Adorno sublinha a "correlação entre anti-semitismo e anti-comunismo" e acrescenta a seguir: "Durante os últimos anos todo o mecanismo de propaganda na América foi consagrado a desenvolver o anti-comunismo no sentido de um "terror" irracional" [14] . Naquele momento, aqueles que foram afectados por perturbações psíquicas eram os anti-comunistas; em 1964, em contrapartida, Adorno inserirá exactamente os comunistas, com os fascistas, entre as personalidades intrinsecamente autoritárias e inclinadas ao totalitarismo!

O diagnóstico psicopatologisante toma habitualmente como alvo os campeões da revolução, nunca os da guerra

Também vale a pena notar que o diagnóstico psicopatológico toma habitualmente como alvo os campeões da revolução, nunca os da guerra. Os loucos são Robespierre e os jacobinos, mas não os girondinos feitores da guerra, cujas consequências devastadora para a liberdade civil e política são denunciadas de modo antecipado e com uma grande lucidez exactamente por Robespierre. Os loucos são os bolcheviques que invocam a Revolução para por fim à carnificina da Primeira Guerra Mundial, não aqueles que, prolongando a participação da Rússia nesta carnificina, não hesitam em sacrificar milhões de pessoas e em provocar no país uma crise política, económica e social de proporções espantosas. Mais ainda, a Primeira Guerra Mundial é saudada não só na Rússia mas em todo o Ocidente como um momento de regeneração espiritual exaltante e os maiores intelectuais da época empenham-se nesta obra de celebração e de transfiguração.

Finalmente. Vimos Tocqueville identificar na obra de um "vírus de uma espécie nova e desconhecida" a causa do interminável ciclo revolucionário francês. Mas porque o autor desta explicação não poderia ser submetido, também ele, a um diagnóstico psicopatológico? Para demonstrar a loucura da "raça de revolucionários que parece nova no mundo" e que está a actuar em França, ele observa que esta "não só pratica a violência, o desprezo do direitos individuais e a opressão das minorias, mas, o que é novo, professa que assim deve ser" (II, 2, p. 337). E vejamos agora como o liberal francês celebra a primeira guerra do ópio:
"Trata-se de um grande acontecimento, sobretudo se se sonha que não é senão a sequência, o último termo de uma multidão de acontecimentos da mesma natureza que, todos eles, empurram gradualmente a raça europeia para fora da sua casa e submetem sucessivamente ao seu império e à sua influência todas as outras raças [...]; é a submissão de quatro partes do mundo pela quinta. Não difamemos nosso século e nós próprios; os homens são pequenos mas os acontecimentos são grandes".
Ou então vejamos qual comportamento Tocqueville sugere ao exército francês empenhado na conquista da Argélia:
"Destruir tudo o que se pareça a uma agregação permanente de população, ou por outras palavras, a uma cidade. Creio da mais alta importância não deixar subsistir ou elevar-se nenhuma cidade nos domínios de Abd-el-Kader" (o líder da resistência)." [15]
. Nestas duas declarações ressoa esta celebração da violência e da lei do mais forte de que se censura a "raça dos revolucionários" em acção em França. Por outras palavras, é de modo não só arbitrário mas também dogmático que procedem os fazedores da abordagem psicopatológica: eles não aplicam a si mesmos os critérios que fazem valer para os outros.

Poder-se-ia objectar com Furet que o carácter patológico da violência jacobina (e bolchevique) reside no facto de que ela devora os seus próprios filhos. Se não fosse a dialéctica de Saturno que está bem presente na Reforma protestante na primeira revolução inglesa e que se manifesta também, com modalidades particulares, na revolução americana. Por ocasião da Guerra de Secessão, os dois campos reclamam-se da luta pela independência conduzida em conjunto contra a Coroa inglesa. Os abolicionistas referem-se ao princípio proclamado pela Declaração de independência segundo a qual "todos os homens foram criados iguais" e ao incipit solene da Constituição de Filadelfia na qual o "povo dos Estados Unidos" declara querer ulteriormente "aperfeiçoar a União". A propaganda da Confederação reivindica a herança da luta dos patriotas contra um poder central opressivo, sublinha a centralidade do tema dos direitos de cada estado singular no processo de fundação e na tradição jurídica do país, e observa que Washington, Jefferson e Monroe eram todos proprietários de escravos. Os dois campos opostos declaram avançar no rastro dos Pais Fundadores, mas isso não evita o choque e o torna mesmo mais rude. Não há dúvida: também neste caso, Saturno devora os seus filhos.

É preciso notar igualmente que os colonos americanos protagonistas da guerra de independência contra o governo de Londres são definidos pelos seus contemporâneos ingleses, quer num julgamento positivo ou negativo, como "os dissidentes do desacordo". E se Burke denuncia a "doença" francesa desde a primeira da revolução [16] , Mallet du Pan põe em causa nesta revolução a "inoculação americana" [17] . Como se vê, a remessa à dialéctica de Saturno e à psicopatologia para explicar as revoluções não esperou o jacobinismo para vir à luz!

Mas coloquemos agora uma pergunta: qual é o ponto de partida da loucura ideológica que teria assolado primeiro o ciclo revolucionário francês e depois o ciclo revolucionário russo? Furet, tal como Pipes, partem da França das Luzes e das sociedades de pensamento. E é do mesmo modo que argumenta Taine, que vimos criticar Voltaire como demónio incarnado e que vê a França revolucionária "intoxicada pela má aguardente do Contrato Social" de Rousseau [18] . Pode-se agora considerar como terminada a investigação para trás das origens do maldito vírus revolucionário? Nada disso! Bem antes da revolução que em França liquida o Antigo Regime, verifica-se na Alemanha a Guerra dos Camponeses que, conduzidos por Müntzer, insurgem-se contra os senhores feudais e querem abolir a servidão de gleba. Os protagonistas desta revolução são estigmatizados por Lutero como "profetas loucos" (tolle Propheten) que excitam a "populaça louca" (tolle Pöbel), como "visionários" (Schwärmerer, Geister, Schwarmgeister), loucos que perderam totalmente o sentido da realidade [19] . Mas esta campanha contra o ex-discípulo que se tornou louco não impede Lutero de ser por sua vez classificado por Nietzche entre os "espíritos doentes", a saber, entre os "epilépticos das ideias" (com Savonarole, Luther, Rousseau, Robespierre et Saint-Simon) ( O Anticristo, 54).

Taine. Sim, segundo Nietzche, para encontrar as primeiras origens da doença revolucionária convém remontar bem mais para trás do que o fazem os críticos habituais da revolução: a loucura que desejaria o advento de um mundo perfeito e igualitário e que condena a riqueza e o poder enquanto tais começou a manifestar-se já com o cristianismo e mesmo, ainda antes, com os profetas judeus. Convencido da longa duração do ciclo revolucionário que assola o Ocidente, Nietzche convida a proceder finalmente ao acerto de contas com "estes milhares de anos de um mundo de choças" e com as "doenças mentais" que o assolam a partir do "cristianismo" (O Anticristo, 38). Poder-se-ia ler esta conclusão como a involuntária reductio ad absurdum da interpretação psicopatologisante do conflito político e, em particular, das grandes crises históricas. Mas não esqueçamos que Nietzche declara ter "passado pela escola de Tocqueville e de Taine" (B, III, 5, p.28), e que tem com este último relações epistolares marcadas por uma estima recíproca [20] .

Nos nossos dias, igualmente, na esteira do filósofo alemão, um ilustre historiador das religiões (Mircea Eliade) e um eminente filósofo (Karl Löwith) explicam a loucura sanguinária do século XX partindo de longe, de muito longe: tudo teria começado em tempos bastante recuados com a recusa do mito do retorno eterno e com o advento da visão unilinear do tempo e da fé no progresso que a acompanha: tudo teria começado com, uma vez mais, a afirmação da cultura judia e cristã. A tendência para liquidar as grandes crises históricas (e em última análise a história universal) enquanto expressões de loucura caracteriza a cultura actual de modo talvez ainda mais forte do que a cultura da Restauração.

Mas como explicar o facto de que as explosões de loucura manifestam-se mais frequentemente e numa escala mais vasta em certos países do que em outros? Conhece-se em Tocqueville a tendência para celebrar um sentido moral e prático superior e um mais forte apego à liberdade que caracterizariam os cidadãos estado-unidenses, em oposição aos franceses. Quer dizer que a leitura psicopatológica do conflito tende a desembocar numa leitura de cariz etnológico (e de tendência racial). É uma tendência que se manifesta também fortemente na historiografia e na cultura contemporânea. Segundo Norman Cohn (2000, p. 21), a Inglaterra "faz-se notar por uma ausência quase total de tendências chiliásticas" e de " chiliaísmo revolucionário", que em contrapartida assolam a França e a Alemanha [21] . Mais radical na deriva etnológica (e, em última análise, racial) é Robert Conquest (2001, p.15), que vê na França e na Rússia (e na Alemanha) os lugares das "aberrações mentais", das quais em contrapartida estão imunes as revoluções inglesa (não se fala senão da Revolução Gloriosa de 1688) e americana. Além disso, a civilização autêntica encontra sua expressão mais acabada na "comunidade de língua inglesa" e o primado desta comunidade tem seu fundamento étnico preciso, constituído pelos "angloceltas" [22] . Então coloca-se aqui uma questão: por o culto dos "angloceltas" deveria ser mais aceitável do que o culto dos "arianos", particularmente caro aos nazis?

Pois. Para se dar conta do absurdo da remessa à psicopatologia basta reflectir no facto de que o carácter catastrófico da crise revolucionária na Rússia foi previsto com décadas de antecipação por autores muito diferentes entre si. Em 1811, na São Petesburgo ainda abalada pela revolta camponesa de Pugatchev, Maistre vê perfilar-se uma revolução (desta vez apoiada por "Pougatcheve de Universidade", isto é, por intelectuais de origem popular) de uma amplitude e de uma radicalidade de fazer empalidecer a Revolução Francesa. Em 1859 previne: se a nobreza continuar a se opor a uma emancipação real dos camponeses, emergirá um cataclismo social "sem precedentes na história". Em 1905, mesmo o primeiro-ministro russo Serge Witte exprime-se em termos semelhantes!

Podem-se fazer considerações análogas para a crise que na Alemanha acabou no advento de Hitler ao poder. Pouco tempo após a assinatura do Tratado de Versalhes, o marechal Ferdinand Foch observa: "isto não é a paz, isto não é senão um armistício para vinte anos". O imperialismo alemão não ia tardar em tentar a sua desforra; e ele vai tanto mais facilmente obter um consenso de massa na medida em que os vencedores da Primeira Guerra Mundial se mostram vindicativos e míopes. Neste mesmo período o grande economista John Maynard Keynes, que fez parte da delegação inglesa em Versalhes, põe em guarda contra as consequências de uma "paz cartaginesa":
"A vingança, ouso prever, não tardará. Nada poderá então retardar por muito tempo esta guerra civil final entre as forças da reacção e as convulsões revolucionárias desesperadas; face a que os horrores da última guerra alemã desaparecerão no nada e destruirão, qualquer que seja o vencedor, a civilização e o progresso da nossa geração". [23]
Portanto: "Que o céu nos proteja a todos!" Uma prova de força ia-se perfilando para a hegemonia ainda mais brutal e bárbara que do que aquela que se havia desencadeado no decorrer do primeiro conflito mundial.

O nazismo caracteriza-se também por sua pretensão a retomar a tradição colonial para realizá-la também, nas suas formas mais bárbaras, na Europa oriental. Pois bem, a partir já do século XIX a cultura europeia mais avançada colocou-se uma questão angustiante: o que teria acontecido se os métodos de governo e de guerra em acção nas colónias tivessem acabado por se impor também nas metrópoles? O próprio genocídio dos judeus não acontece de modo de algum de modo improvisado. Basta-nos dizer que na Rússia devastada pela guerra civil, os judeus, estigmatizados como fantoches do bolchevismo, tornam-se as vítimas de massacres desencadeados pelas tropas brancas apoiadas pela Entente: isto é o prelúdio – observam eminentes historiadores – do que será a seguir a "solução final" [24] .

Concluamos. A leitura psicopatologisante das grandes crises históricas permite por um lado liquidar como uma expressão de loucura o gigantesco processo de emancipação que vai da Revolução Francesa (das Luzes mesmo) à Revolução de Outubro; por outro lado, ela atribui o Terceiro Reich a uma personalidade doente individual (Hitler), absolvendo indirectamente o sistema político-social e a tradição ideológica que o produziram. A crítica da leitura psisopatologisante (mesmo demonológica) das grandes crises históricas é um hoje um dever essencial da crítica da ideologia e da luta pela razão.
[1] cf. Heinrich von Treitschke, Deutsche Geschichte im neunzehnten Jahrhundert, Leipzig, 1879-1894, vol. III, p. 153.
[2] Benedikt F. X. von Baader, Sämtliche Werke, présenté par F. Hoffmann et alt. (Leipzig 1851-1860), réédition anastatique, Scientia, Aalen, vol. 6, pp. et 26.
[3] Alexis de Tocqueville, Œuvres complètes, présentées par J. P. Mayer, Gallimard, Paris, 1951 et suivantes, vol. XIII, 2, pp. 337-38.
[4] Pour les Souvenirs nous renvoyons le lecteur à l'anthologie de Tocqueville de F. Mélonio et J. C. Lamberti, Laffont, Paris, 1986, pp. 798 et 812.
[5] Hippolyte Taine, Les origines de la France contemporaine (1876-94), Hachette, Paris, 1899, vol. 6, p. 64.
[6] Ibidem., vol. 5, pp. 21 et suivantes.
[7] Ibidem.,vol. 7, pp. 205, 208 et 347-8 et vol. 1, p. 295.
[8] Domenico Losurdo, Le révisionnisme en histoire. Problèmes et mythes, traduit de l'italien par Jean-Michel Goux, Albin Michel, Paris, 2006, chap. 1,1.
[9] Theodor W. Adorno, Eingriffe. Neun kritische Modelle, Suhrkamp, Frankfurt a. M., 1964, pp. 132-3.
[10] Hannah Arendt, The Origins of Totalitarianism (1951) Harcourt, Brace & World, New York, 3° ed., 1966, pp. 457-9.
[11] Cf. Emily Eakin, Is Racism Abnormal ? A Psychiatrist Sees It as a Mental Disorder, in International Herald Tribune du 17 janvier 2000, p. 3.
[12] Wyn C. Wade, The Fiery Cross. The Ku Klux Klan in America, Oxford University Press, New York-Oxford, 1997, p. 11.
[13] Ecce Homo, « Pourquoi j'écris de si bons livres ».
[14] Cf. Theodor W. Adorno, Studies in the Authoritarian Personality, in Id., Gesammelte Schriften, Suhrkamp, Frankfurt a. M., vol. 9, 1, p. 430.
[15] Alexis de Tocqueville, Œuvres complètes, cit., vol. 2, 2, p. 337 ; vol. 6, 1, p. 58 et vol. 3, 1, p. 229.
[16] Domenico Losurdo, Controstoria del liberalismo, Laterza, Roma-Bari, 2005, chap. VIII, § 7.
[17] Alphonse Aulard, Histoire politique de la Révolution française (1926), Scientia, Aalen (reproduction anastatique), 1977, p. 19, note 1.
[18] Cf. Hippolyte Taine, Les origines de la France contemporaine, cit., vol. 4, p. 262.
[19] Martin Luther, Ermahnung zum Frieden auf die zwölf Artikel der Bauernschaft in Schwaben (1525), in Die Werke, présenté par Kurta Aland, Klotz-Vandenhoeck & Ruprecht, Stuttgart-Göttingen, 1967, vol. 7, pp. 165, 168, 174 et 180 ; Martin Luther, Daß diese Worte : Das ist mein Leib etc. noch feststehen. Wider die Schwarmgeister (1527), in Werke, présenté par Diaconus Dr. Buchwald et alt., Schwetschke, Braunschweig, 1890, vol. 4, pp. 342 et suivantes.
[20] Domenico Losurdo, Nietzsche, il ribelle aristocratico. Biografia intellettuale e bilancio critico, Bollati Boringhieri, Torino, 2002, cap. 28, § 2 .
[21] Cf. N. Cohn, The Pursuit of the Millennium (1957), tr. it., de Amerigo Guadagnin, I fanatici dell'Apocalisse, Comunità, Torino, 2000, p. 21.
[22] R. Conquest, Reflections on a Ravaged Century (1999), tr. it., de Luca Vanni, Il secolo delle idee assassine, Mondadori, Milano, 2001, pp. 15, 275 et suivantes et 307.
[23] John M. Keynes, The economic consequences of the peace (1920), Penguin Books, London, 1988, pp. 56 et 267-68.
[24] Cf. Domenico Losurdo, Staline. Histoire et critique d'une légende noire, traduit de l'italien par Marie-Ange Patrizio, Aden, Bruxelles, 2011, chap. 3, 1 et 5, 6.


[*] Professor de história da filosofia da Universidade de Urbino (Itália). Dirige desde 1988 a Internationale Gesellschaft Hegel-Marx für Dialektisches Denken e é membro fundador da Associazione Marx XXIesimo secolo.

Extracto de Psicopatologia e demonologia: A leitura das grandes crises históricas da Restauração aos nossos dias, ensaio publicado na revista Belfagor. Rassegna di varia umanità, dirigida por Carlo Ferdinando Russo, Editions Leo S. Olschki, Florence, Maço 2012, p. 151-172.
Como se sabe, a Belfagor encerrou. Com esta homenagem agradeço ao meu amigo Carlo Ferdinando Russo e a toda redacção pela hospitalidade que me foi seguidamente oferecida. Domenico Losurdo.

O original encontra-se em http://domenicolosurdo.blogspot.fr/ e a versão em francês em http://www.voltairenet.org/article177087.html


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Nova fase da revolução egípcia.Hora dos trabalhadores se apresentarem como líderes do povo!

 

 

Chefe militar egípcio alerta para risco de "colapso do Estado"

Manifestantes desrespeitaram toque de recolher e estado de emergência imposto por Mohamed Mursi








O chefe militar do Egito, Abdel Fatah al Sisi, que também ocupa o cargo de ministro da Defesa, alertou nesta terça-feira (29/01) que a crise política no país norte-africano, que já dura dois anos desde o início da Primavera Árabe, poderá levar a um “colapso do Estado”. As declarações do militar foram publicadas em sua página da rede social Facebook.

Segundo ele, os desafios econômicos, políticos e sociais que o Egito enfrenta representam "uma verdadeira ameaça à segurança do Egito e à coesão do Estado egípcio" e que o Exército permaneceria "o bloco coeso e sólido" em que o Estado repousa. Desde quando se tornou uma república, em 1953, até a eleição do civil Mohamed Mursi, em 2012, o país esteve sob controle de governos militares, tendo as Forças Armadas como base do governo.

Agência Efe (28/01/13)

Manifestantes em Port Said protestam contra as mortes ocorridas em confrontos com forças de segurança

As declarações de Al Sisi dizem respeito aos protestos e confrontos entre ativistas políticos e forças de segurança que voltaram a tomar conta das ruas das principais cidades do país após Mursi ter decretado no domingo (27) estado de emergência por 30 dias e toque de recolher entre 21 horas e 6 horas em três províncias da região do Canal de Suez, leste do país.

Al Sisi responsabiliza diretamente a oposição pelas dificuldades em manter o estado de emergência. As Forças Armadas, segundo ele, “pertencem a todos os egípcios, independentemente de sua filiação política ou religiosa”.

Na região do Suez, milhares de pessoas desobedeceram ao decreto de Mursi e concentrarem-se durante a noite nas ruas e praças do Cairo, de Alexandria e das cidades do Canal do Suez, Port Said, Ismailia e Suez.

Em Ismailia, os manifestantes entoavam gritos como: "Abaixo, abaixo Mohammed Morsi! Abaixo, abaixo o Estado de emergência!". Em Alexandria os gritos foram de revolta: "O povo quer derrubar o regime!".



O exército, enviado para auxiliar a polícia a impor o estado de emergência nestas três últimas cidades, não interveio, segundo informações da agência Reuters.

Uma repórter da televisão al Jazeera viu soldados deixarem os manifestantes tirarem fotografias ao lado dos carros armados.

No Cairo, os protestos resultaram em confrontos. Pelo menos uma pessoa morreu nos choques ocorridos nas imediações da Praça Tahrir. Próximo ao local, na ponte de Qasr al Nil e parte da margem direita do rio Nilo voltaram a ser palco de uma batalha campal com o lançamento de pedras e gás lacrimogêneo contra forças de segurança que reprimiam os protestos.

Mais de 50 pessoas morreram desde a última sexta-feira, quando começaram os confrontos por ocasião da comemoração do segundo aniversário do início da revolução que derrubou a ditadura de Hosni Mubarak.

Brasil: Greve de petroleiros, avante!

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013



Petroleiros aderem em peso à greve de 24h. Veja o quadro de mobilizações


Federação Nacional dos Petroleiros (FNP)



Mais uma vez, os petroleiros mostraram porque são referência para a classe operária brasileira. Desde o início da madrugada desta segunda-feira (28/01), a categoria está mobilizada em todas as bases da FNP. A mobilização também acontece em outras unidades espalhadas pelo país, seja com greve de 24 horas ou atrasos na entrada do expediente.
o Litoral Paulista, a greve de 24 horas foi deflagrada ainda no início da madrugada, com o corte na rendição dos turnos das 23h e 0h na maior parte das unidades como RPBC, Alemoa, Pilões, Tebar e UTGCA. Nesta manhã, os petroleiros que trabalham no regime administrativo também aderiram à greve. Os ônibus e vans responsáveis por transportar os empregados chegaram praticamente vazios. Na RPBC, por exemplo, a adesão do ADM foi de aproximadamente 70%, número semelhante ao alcançado nas demais unidades. Nos prédios administrativos de Santos a mobilização foi realizada no Edifício Palazzo (Ana Costa).
Na plataforma de Mexilhão, após assembleia com maioria de votos a favor da greve (29 dos 31 votaram pela mobilização), os petroleiros embarcados suspenderam a emissão de PT (Permissão de Trabalho), que será retomada apenas após a greve de 24h. Além de lutarem por uma PLR justa, os trabalhadores de Mexilhão, cuja planta pode ser considerada nova, também lutam por melhores condições de trabalho. Muitos equipamentos, que deveriam funcionar automaticamente, estão operando apenas manualmente, aumento os riscos de acidentes de trabalho. O mesmo movimento está sendo realizado pelos petroleiros da plataforma de Merluza, onde a emissão de PT também está suspensa e retornará apenas ao fim da greve de 24 horas.
Em Alagoas/Sergipe, a greve de 24 horas está sendo realizada na base de Tecarmo, em Sergipe, onde houve trancaço e adesão total dos trabalhadores de turno e ADM. Em Alagoas, a mobilização foi iniciada pela manhã com atrasos de duas horas na Estação de Pilar e ao longo do dia os dirigentes sindicais percorrerão as demais bases para realizarem novas paralisações.
No Rio de Janeiro, os trabalhadores do CENPES e do TABG cortaram a rendição dos turnos e atrasaram em duas horas o início do expediente. No Edise, edifício-sede da companhia, houve trancaço.
Em São José dos Campos, na REVAP, houve atraso na entrada do ADM, logo pela manhã, e a estimativa é de que haja corte de rendição no turno das 15h.
Já no Sindipetro PA/AM/MA/AP, a mobilização acontece na Transpetro Belém, com paralisação de 24h, na UO-AM, edifício-sede da companhia em Manaus, onde houve atraso nesta manhã de três horas no ADM, e no prédio Alcindo Cacela, em Belém, onde houve atraso durante toda a manhã (das 07h30 às 11h)
Na base do Sindipetro Unificado, onde a Oposição A Base Presente defendeu nas assembleias o calendário unificado, a mobilização também é de greve de 24h em todos os terminais e refinarias. No Edisp II, onde houve intervenção da oposição, a assembleia que votou a aprovação da greve também votou pela exigência de PLR Máxima e Igual para Todos, rejeitando a proposta de regramento da FUP.

A FRUKUS mostra a instável submissão da Rússia à OTAN?

Las maniobras navales FRUKUS 2013 se desarrollarán frente a la costa de Francia


Las maniobras navales FRUKUS 2012Las maniobras navales FRUKUS 2012
21:36 29/01/2013
Moscú, 29 de enero, RIA Novosti.
 
Las maniobras navales de Rusia, Francia, Reino Unido y EEUU denominadas FRUKUS 2013 se desarrollarán frente a la costa francesa en junio, informó hoy el portavoz de la Flota rusa del Báltico, capitán de fragata Vladímir Matveev.
"En París se celebra hoy la primera conferencia de planificación de las maniobras internacionales FRUKUS 2013. Asisten representantes de los países que participan en el simulacro", apuntó.
Dijo que los asistentes definirán los objetivos de este año y determinarán la zona de los ejercicios y los buques a participar.
"En marzo se celebrará la parte principal de la conferencia de planificación, y en mayo la parte final", agregó el portavoz.
Los ejercicios navales internacionales FRUKUS se realizan cada año. Rusia, EEUU y Reino Unido estuvieron realizándolos desde 1993 bajo el nombre de RUKUS. Diez años más tarde se incorporó Francia y el simulacro pasó a denominarse FRUKUS, acrónimo formado por las iniciales de los países participantes, en inglés.
El simulacro busca ensayar diversas tareas de carácter antiterrorista y humanitario, así como coordinar la ejecución de maniobras a partir de un plan único.
El año pasado, las maniobras FRUKUS 2012 se desarrollaron en el mar Báltico.




segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Raúl Castro, a primeira das vozes críticas

 


Salim Lamrani*
28.Jan.13 :: Outros autores

Salim LamraniAo contrario da ideia que a imprensa imperialista amplamente difunde, o debate crítico está presente na sociedade cubana. Naturalmente que, para os inimigos da Revolução Cubana, debater os problemas reais com que Cuba se defronta deveria constituir uma oportunidade para condenar a opção socialista. Mas o que há a registar é que esse debate é animado pelos mais altos responsáveis, não para trair a revolução, mas para a defender. Para Salim Lamrani, o crítico mais virulento de Cuba chama-se Raúl Castro.


No Ocidente Cuba é representada como uma sociedade fechada sobre si própria, onde o debate crítico é inexistente e a pluralidade das ideias é proibida pelo poder. Na realidade, Cuba está longe de ser uma sociedade monolítica que compartilharia um pensamento único. Com efeito, a cultura do debate desenvolve-se cada dia mais e o Presidente cubano Raúl Castro simboliza-a, ao ter-se convertido no primeiro crítico das vicissitudes, contradições, aberrações e injustiças presentes na sociedade cubana.
A necessidade de mudança e do debate crítico
Em Dezembro de 2010, numa intervenção perante o Parlamento cubano, Raúl Castro lançou o alarme e colocou o governo e os cidadãos face às suas responsabilidades: “ Ou rectificamos ou já se acabou el tempo de continuar circulando à beira do el precipício, afundamo-nos e afundar-nos-emos” (1). Acrescentou também pouco tempo depois: “é imprescindível romper a colossal barreira psicológica que resulta de uma mentalidade enraizada em hábitos e conceitos do passado” (2).
Raúl Castro também fustigou a debilidade do debate crítico em Cuba. Fustigou também os silêncios, a complacência e a mediocridade. Lançou um apelo a mais franqueza. “Não há que temer as discrepâncias de critérios […], as diferenças de opiniões, que […] serão sempre mais desejáveis do que a falsa unanimidade baseada na simulação e no oportunismo. Para além do mais, é um direito do qual ninguém deve ser privado”. Castro denunciou “o excesso de secretismo a que nos habituámos durante mais de 50 anos” para ocultar enganos, falhas e erros. “É necessário mudar a mentalidade dos quadros e de todos os compatriotas”, acrescentou (3).
Sobre os media, disse o seguinte:
“A nossa imprensa fala bastante disso, das êxitos da Revolução, e nos discursos também fazemos coro; mas há que ir à medula dos problemas […]. Sou um defensor da luta contra o secretismo, porque atrás dessa ornamentada tapeçaria é onde se ocultam as falhas que temos e os interessados em que seja assim e assim continue. E eu recordo algumas críticas; “sim, façam sair no jornal tal crítica”, orientei eu próprio […]. Imediatamente a grande burocracia começou a mover-se: “Essas coisas não ajudam, desmoralizam os trabalhadores”. ¿Quais trabalhadores vão desmoralizar? Como em uma ocasião, na grande empresa estatal leiteira, El Triángulo. Passavam semanas, porque um dos camiões dessa vacaria que estava aí em Camagüey estava avariado, e então todo o leite que se produzia nas vacarias dessa zona, desse lugar, era deitada a uns porcos que estavam a criar. Foi então que disse a um secretario do Comité Central responsável pela agricultura nessa altura: mete no Granma, conta tudo isto que se está a passar, faz uma crítica. Alguns vieram e até comentaram comigo que: “Estas coisas não ajudam, porque desmoralizam os trabalhadores”. O que não sabiam é que era eu quem tinha dado esta orientação” (4)
Em 1 de Agosto de 2011, durante o seu discurso de encerramento da VII Legislatura do Parlamento Cubano, Raúl Castro reiterou a necessidade do debate crítico e da controvérsia na sociedade: “Todas as opiniões devem ser analisadas, e quando não se alcance o consenso, as discrepâncias serão levadas às instancias superiores com competências para decidir e ninguém está mandatado para o impedir” (5). Apelou a acabar com “o hábito do triunfalismo, a estridência e o formalismo ao abordar a actualidade nacional e produzir materiais escritos e programas de televisão e radio que pelo seu conteúdo e estilo captem a atenção e estimulem el debate na opinião pública” para evitar “materiais aborrecidos, improvisados e superficiais” nos meios de comunicação (6).
A corrupção
Raúl Castro tão pouco evitou o problema da corrupção: “ Ante as violações da Constituição e da legalidade estabelecida não resta outra alternativa senão recorrer à Procuradoria e aos Tribunais, como já começámos a fazer, para exigir responsabilidade aos infractores, sejam eles quem forem, porque todos os cubanos, sem excepção, somos iguais perante a lei” (7). Raúl Castro, consciente de que a corrupção também afecta os altos funcionários, enviou uma mensagem clara aos responsáveis de todos os sectores: “Há que lutar para desterrar definitivamente a mentira e o engano da conduta dos quadros, a qualquer nível”. De modo mais insólito apoiou-se em dois dos dez mandamentos bíblicos para ilustrar o seu ponto de vista: “Não roubarás” e “não mentirás”. Do mesmo modo, evocou os três princípios éticos e morais da civilização inca: “não mentir, não roubar, não ser estroina”, os quais devem guiar a conduta de todos os responsáveis da nação (7).
A liberdade religiosa
Do mesmo modo, Raúl Castro condenou severamente as derivas sectárias. Assim, denunciou publicamente pela televisão alguns atentados à liberdade religiosa devidos à intolerância “enraizada na mentalidade de não poucos dirigentes a todos os níveis” (8). Evocou o caso de uma mulher, quadro do Partido Comunista, com trajectória exemplar, que foi afastada das suas funções em Fevereiro de 2011 devido à sua fé cristã, e cujo salario foi reduzido em 40%, em violação do artigo 43º da Constituição de 1976 que proíbe todo o tipo de discriminação. O presidente da República denunciou assim “os danos causados a uma família cubana por atitudes baseadas numa mentalidade arcaica, alimentada pela simulação e o oportunismo”. Recordando que a pessoa vítima desta discriminação tinha nascido em 1953, data do ataque ao quartel Moncada pelos partidários de Fidel Castro contra a ditadura de Fulgêncio Batista, Raúl Castro expressou o seguinte:
“Eu não fui ao Moncada para isso […]. Da mesma forma, recordávamos que em 30 de Julho, dia da reunião mencionada, se cumpriam 54 anos do assassínio de Frank País e do seu fiel companheiro Raúl Pujol. Eu conheci Frank no México, voltei a vê-lo na Serra, não me lembro de ter conhecido uma alma tão pura como essa, tão valente, tão revolucionaria, tão nobre e modesta, e dirigindo-me a um dos responsáveis dessa injustiça que cometeram, disse-lhe: Frank acreditava em Deus e praticava a sua religião, que eu saiba nunca deixou de o fazer ¿Que teriam vocês feito com Frank País?” (9)
A produtividade, o salario mensal e a caderneta de abastecimento
Quanto à produtividade e à política económica, Raúl Castro admite “uma ausência de cultura económica na população”, bem como os erros do passado. “Não pensamos voltar a copiar ninguém, bastantes problemas nos trouxe fazê-lo, até porque além do mais muitas vezes copiamos mal” (10). O governo cubano dá prova de lucidez no que diz respeito às carências em matéria económica. Reconhece que “a espontaneidade, a improvisação, a superficialidade, o incumprimento das metas, a falta de profundidade nos estudos de viabilidade e a carência de integralidade ao empreender um investimento” atentam gravemente contra a nação (11).
Quanto ao rendimento mensal dos cubanos, Raúl Castro dá prova de lucidez: “O salario ainda é claramente insuficiente para satisfazer todas as necessidades, pelo que praticamente deixou de cumprir o papel de assegurar o principio socialista de que cada qual contribua segundo a sua capacidade e receba segundo o seu trabalho. E isso favoreceu manifestações de indisciplina social” (12).
Do mesmo modo, o presidente cubano não vacilou em sublinhar os efeitos negativos da caderneta de abastecimento em vigor desde 1960, particularmente “o seu nocivo carácter igualitarista”, que a converteu em “uma carga insuportável para a economia e em um desestimulo ao trabalho, para além de gerar ilegalidades diversas na sociedade”. Também apontou as seguintes contradições: “Como a caderneta está concebida para abranger de forma igual os mais de 11 milhões de cubanos, não faltam exemplos absurdos como o do café tabelado abastecer até os recém-nascidos. O mesmo sucedia até Setembro de 2010 com os cigarros que eram distribuídos sem distinguir fumadores e não fumadores, propiciando o crescimento deste hábito nocivo na população”. Segundo ele, a caderneta “ contradiz na sua essência o principio da distribuição que deve caracterizar o socialismo, ou seja, “De cada qual segundo a sua capacidade, a cada qual segundo o seu trabalho”. Por isso, “ será imprescindível esforçarmo-nos para erradicar as profundas distorções existentes no funcionamento da economia e da sociedade no seu conjunto” (13).
A renovação geracional
Por outra lado, Raúl Castro também sublinhou a presença de um problema crucial em Cuba: a relevo geracional e a falta de diversidade. Denunciou “ a insuficiente sistematicidade e vontade política para assegurar a promoção a cargos decisórios de mulheres, negros, mestiços e jovens, na base do mérito e das condições pessoais”. Exprimiu o seu desagrado sem elidir a sua própria responsabilidade: “ Não ter resolvido este último problema em mais de meio século é uma verdadeira vergonha, que carregaremos nas nossas consciências durante muitos anos”. Em resultado deste problema, Cuba sofre “as consequências de não contar com uma reserva de substitutos devidamente preparados, com suficiente experiencia e maturidade para assumir as novas e complexas tarefas de direcção no Partido, no Estado e no Governo” (14).
Todas estas declarações foram feitas em directo na televisão cubana em horário nobre. Permitem ilustrar a presença do debate crítico em Cuba ao mais alto nível do Estado. Assim, Raúl Castro não é apenas o Presidente da nação, mas também – segundo parece – o mais feroz crítico das derivas e imperfeições do sistema.
Notas:
(1) Raúl Castro Ruz, «Discurso pronunciado pelo General do Exército Raúl Castro Ruz, Presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros, no encerramento do Sexto Período Ordinário de Sessões da Sétima Legislatura da Assembleia Nacional do Poder Popular», República de Cuba , 18 de Dezembro de 2010.
http://www.cuba.cu/gobierno/rauldiscursos/2010/esp/r181210e.html (sitio consultado el 2 de Abril de 2011).
(2) Raúl Castro Ruz, «Intervenção do General do Exército Raúl Castro Ruz, Presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros da República de Cuba no encerramento do X Período de Sessões da Sétima Legislatura da Assembleia Nacional do Poder Popular», 13 de Dezembro de 2012. http://www.cubadebate.cu/raul-castro-ruz/2012/12/13/raul-todo-lo-que-hagamos-va-dirigido-a-la-preservacion-y-desarrollo-en-cuba-de-una-sociedad-socialista-sustentable-y-prospera-fotos/ (sitio consultado em 2 de Janeiro de 2013).
(3) Raúl Castro, « Discurso…», 18 de Dezembro de 2010, op.cit.
(4) Ibid.
(5) Raúl Castro, «Toda resistência burocrática ao estrito cumprimento dos acordos do Congresso, apoiados massivamente pelo povo, será inútil», Cubadebate, 1 de agosto de 2011.
(6) Raúl Castro, «Texto íntegral do Informe Central ao VI Congresso do PCC», 16 de Abril de 2011. http://www.cubadebate.cu/opinion/2011/04/16/texto-integro-del-informe-central-al-vi-congreso-del-pcc/ ( sitio consultado em 20 de Abril de 2011).
(7) Raúl Castro, «Toda resistência…», op. cit.
(8) Raúl Castro, « Discurso…», 18 de Dezembro de 2010, op.cit.
(9) Raúl Castro, «Toda resistência…», op. cit.
(10) Ibid.
(11) Raúl Castro, « Discurso…», 18 de Dezembro de 2010, op.cit.
(12) Partido Comunista de Cuba, «Resolução sobre as linhas da política económica e social do partido e a Revolução», op. cit.
(13) Raúl Castro Ruz, « Discurso…», 18 de Dezembro de 2010, op. cit.
(14) Raúl Castro, «Relatório central ao VI Congresso do Partido Comunista de Cuba», 16 de Abril de 2011. http://www.cuba.cu/gobierno/rauldiscursos/2011/esp/r160411e.html (sitio consultado em 2 de Janeiro de 2013).
(15) Ibid.

*Doutor em Estudos Ibéricos y Latino-americanos de la Universidade Paris Sorbonne-Paris IV, Salim Lamrani é professor titular de la Universidade de la Reunión y periodista, especialista de las relações entre Cuba y Estados Unidos. Seu último libro se titula Etat de siège. Les sanctions économiques des Etats-Unis contre Cuba, Paris, Edições Estrela, 2011, com um prólogo de Wayne S. Smith y um prefácio de Paul Estrade. Contacto: lamranisalim@yahoo.fr ; Salim.Lamrani@univ-reunion.fr Página Facebook: https://www.facebook.com/SalimLamraniOfficiel
Fonte: http://operamundi.uol.com.br/conteudo/opiniao/26619/raul+castro+o+verdadeiro+dissidente.shtml

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