sexta-feira, 14 de junho de 2013

M.K. Bhadrakumar : métodos "diplomáticos"...grosseiro aventureirismo (militar)


Moscovo recorda a Guerra de Charlie Wilson



14.Jun.13 :: Outros autores
A ingerência dos EUA na Síria acrescenta mais um negro capítulo à criminosa acção do imperialismo, que não reconhece lei senão a lei do mais forte, e cujos métodos “diplomáticos” se situam ao nível do mais grosseiro aventureirismo. Veja-se a recente iniciativa do senador McCain, ex-candidato presidencial, a permitir-se entrar em território sírio pela mesma via por onde entram os mercenários e assassinos que o imperialismo apoia.


Charlie Wilson afirmava estar a tratar de assuntos do governo dos EUA mesmo enquanto entretinha o então ministro da defesa egípcio com uma bailarina texana que fazia a dança do ventre e que ele trouxera do Cairo esperando persuadi-lo a firmar um negócio de fornecimento de armas aos mujahidin, no princípio dos anos 1980.
George Crile conta em detalhe no empolgante livro Charlie Wilson’s Wars de que modo o exuberante congressista do Texas participou virtualmente na Operação Cyclone da CIA no Afeganistão, que assegurou um fornecimento sólido de armas sofisticadas, tais como os mísseis Stinger, aos mujahidin que combatiam o exército soviético.
De facto, a CIA financiou as despesas de viagem das amigas de Charlie Wilson que o acompanhavam nas suas numerosas deslocações ao Afeganistão. A Agência atribuiu-lhe mais tarde a sua distinção Honored Colleague Award pelo seu papel na jihad afegã.
John McCain, o senador de 77 anos do Arizona, não levará certamente as coisas tão longe, mas causará surpresa o facto de, na segunda-feira passada ele ter atravessado a fronteira entre a Turquia e a Síria numa viagem clandestina, acompanhado pelo “general” Salem Idris, líder do Conselho Militar Supremo do Exército Livre Sírio.
McCain aparentemente reuniu com guerrilheiros rebeldes sírios e figuras da oposição na cidade turca de Gaziantep e, com Idris por perto, atravessou a fronteira com a Síria onde esteve “várias horas”.
Os legisladores norte-americanos são muito zelosos do cumprimento da lei e McCann sabia que precisaria de um visa para viajar para a Síria e no entanto viajou sem um. Desafiou a legitimidade do governo sírio. A verdade nua e crua é que McCain se intrometeu na Síria ilegalmente com o conhecimento e possível conivência dos governos dos EUA e Turquia.
Agora, juntem Gaziantep à cidade paquistanesa de Peshawar e a visita de McCain revela uma estranha semelhança com a guerra de Charlie Wilson.
Idris dá uma ideia clara da missão de McCain. Diz ele: «O que queremos do governo dos EUA é que tomem a decisão de apoiar a revolução síria com armas e monições, mísseis antitanque e artilharia antiaérea. A visita do senador McCain à Síria é muito importante e muito útil, especialmente nesta altura. Precisamos da ajuda norte-americana para que haja mudanças no terreno; estamos neste momento numa situação muito crítica… É claro que queremos uma zona de exclusão aérea e pedimos ataques estratégicos contra o Hezbollah, quer dentro do Líbano quer na Síria.»
A missão de McCain está sincronizada com a bem sucedida medida britânica (com o apoio de Washington) para forçar o levantamento do embargo da União Europeia ao fornecimento de armas aos rebeldes sírios. Washington elogiou a decisão da UE.
Missões como as de Charlie Wilson e McCain são bem organizadas e assinalam a direcção das futuras políticas dos EUA, para além de cultivarem a opinião interna nos EUA. A síndrome do Vietname tinha de ser ultrapassada antes do reforço da jihad islâmica, ao passo que, no caso da Síria, a opinião pública norte-americana se opõe ao envolvimento dos EUA noutra guerra no Médio Oriente depois do Iraque.
Mas essa opinião está a mudar aos poucos. Não é feito de pouca monta que quase ⅔ da opinião pública norte-americana, de acordo com a última sondagem da CNN, acredite que o regime de Bashar-al-Assad na Síria está a usar armas químicas nos confrontos actuais (os rebeldes que se encontraram com McCain repetiram a alegação).
Evidentemente, tudo isto é parte de uma estratégia com dois sentidos por parte da Administração Obama.
A prossecução do esforço político em busca de uma solução interna na Síria através do diálogo corre paralelamente ao que agora parece ser o caminho principal, em preparação para um envolvimento militar mais directo por parte dos EUA, incluindo um plano para acções multilaterais na Síria.
Quando McCain estava na Turquia, houve fugas de informação nos media em Washington, de acordo com as quais o Presidente Barack Obama deu instruções ao Pentágono para delinear a estratégia operacional a seguir para chegar a uma zona de exclusão aérea na Síria. O Daily Beast citou um oficial não identificado dos EUA: A Casa Branca ainda está em modo de observação, mas o planeamento avança e é mais sofisticado que nunca. Todo este esforço para pressionar o regime é parte do esforço global para encontrar uma solução política, mas o que acontece se Genebra falhar? É da mais elementar prudência pensar noutras opções.
É significativo que na altura em que a proposta convenção para a paz tem lugar em Genebra nas próximas semanas, os EUA planeiem levar a cabo uma série de exercícios militares na Jordânia, com o nome Eager Lion, com a participação de mais de 15 000 tropas de 18 países árabes e outros.
Os relatórios dos media sugerem que, depois dos exercícios, os meios militares dos EUA permanecerão retidos na Jordânia, por exemplo os aviões F-16, o que pode dar jeito para impor uma zona de exclusão aérea na Síria.
O que se depreende é que os sistemas de defesa aérea sírios impedem os EUA e os seus aliados de impor uma zona de exclusão aérea. Pelo contrário, os peritos militares crêem que os EUA e os seus aliados têm, sem dúvida, a capacidade impressionante de eliminar o poderio aéreo sírio.
Os russos podem pensar que os seus mísseis S-300 são invencíveis, mas a força aérea israelita levou a cabo exercícios militares com a Grécia, que tem mísseis S-300 no seu arsenal, e saberia como ultrapassá-los. Escusado será dizer, a única questão que se mantém é saber se Obama pretende tomar o caminho de uma intervenção militar aberta na Síria.
A Convenção para a Paz em Genebra é uma iniciativa do Secretário de Estado John Kerry, que fez um trabalho diplomático de primeira classe ao convencer os russos que ambos têm algo com interesse em comum na Síria. Mas, enquanto decorre, deverá ser bastante aparente que as hipóteses pouco favorecem a II Convenção de Genebra no que toca a progressos no sentido de uma solução política.
McCain estimava, na segunda-feira passada, que a Administração Obama provavelmente não tomaria quaisquer decisões sobre uma intervenção maior na Síria antes de terminar a Convenção de Genebra. Mas, que acontece se a Convenção falhar? A missão de McCain sugere que a Administração Obama está já a ponderar para além dos destroços da II Convenção de Genebra.
McCain tem uma forma interessante de resumir as coisas: “Creio que eles [a Administração dos EUA] procuram um plano, porque a pressão é tão intensa, embora estejamos num impasse até esta convenção em Genebra.”
Um certo mal-estar poderá fazer-se sentir na Rússia. O Ministro da Defesa Sergei Shoigu confirmou que a decisão dos EUA de levantar o embargo de armamento poderá incitar Moscovo a reconsiderar a sua própria contenção no tocante à entrega de armas a Damasco. Shoigu também é hábil nas palavras: “Cada decisão tem dois lados. Se um deles levanta restrições, o outro pode considerar-se livre de cumprir compromissos anteriores.”
A posição russa sugere que poderá haver um contracto, de 2010, com o regime de Assad para o fornecimento de armas e uma “lista de desejos” síria para mais armas, de Março de 2011.
O que é interessante na posição russa é que Moscovo deixa as potências ocidentais a fazer suposições sobre o progresso dos negócios de armas com a Síria, o que, é claro, torna a tal “lista de desejos” muito vaga, e os deixa livres para fornecer o que quiserem quando quiserem.
Moscovo mantém a pretensão, num bluff, de que todas as armas fornecidas ao regime de Assad constituem tráfico perfeitamente legítimo, de acordo com a legislação internacional, entre dois governos soberanos. Claro que McCain acabou de lembrar aos russos o modo como Charlie Wilson subia a parada cada vez que o Exército Vermelho mostrava sinais de estar a vencer os mujahidin.
Se McCain pensou que passou a batata quente para o lado russo, engana-se. No momento do seu regresso a casa, Shoigu passa-a novamente para a Casa Branca. Parece que isto torna a II Convenção de Genebra tudo menos redundante.

M.K. Bhadrakumar serviu como diplomata de carreira no Serviço de Estrangeiros Indiano durante mais de 29 anos, tendo estado destacado, entre outros, como embaixador da Índia no Uzbequistão (1995-1998) e na Turquia (1998-2001).
http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/MID-02-310513.html
Tradução de André Rodrigues P. Silva
     Fonte: ODiario.info
Anterior Proxima Inicio

0 comentários:

Postar um comentário