domingo, 23 de junho de 2013
PÁTRIA LATINA
Como os EUA conquistaram o Brasil usando a mídia
Nelson Rockfeller, governador de Nova York, recebido pelo ditador Costa e Silva.
Leandro Severo*
Carta Maior
Em 1957, uma CPI da Câmara dos Deputados, comprovou que O Estado de São Paulo, O Globo e Correio da Manhã foram remunerados pela publicidade estrangeira para moverem campanhas contra a nacionalização do petróleo.
Em momentos cruciais para o país se inclinaram para o golpismo e a
traição aos interesses nacionais: contra Getúlio, a Petrobrás, JK,
contra Jango, apoiando a ditadura, Collor, FHC e suas privatizações,
atacando Lula.
Em 1941, enquanto milhões de homens e mulheres derramavam seu sangue
pela liberdade nos campos da Europa e da União Soviética, a elite dos
círculos financeiros dos Estados Unidos já traçava seus planos para o
pós-guerra.
Como afirmou Nelson Rockefeller, filho do magnata do petróleo John D.
Rockefeller, em memorando que apresentava sua visão ao presidente
Roosevelt: “Independente do resultado da guerra, com uma vitória alemã
ou aliada, os Estados Unidos devem proteger sua posição internacional
através do uso de meios econômicos que sejam competitivamente eficazes…”
(COLBY, p.127, 1998).
Seu objetivo: o domínio do comércio mundial, através da ocupação dos mercados e da posse das principais fontes de matéria-prima.
Anos mais tarde o ex-secretário de imprensa do Congresso americano,
Gerald Colby, sentenciava sobre Rockefeller: “No esforço para extrair os
recursos mais estratégicos da América Latina com menores custos, ele
não poupava meios” (COLBY, p.181, 1998).
Neste mesmo ano, Henry Luce, editor e proprietário de um complexo de comunicações que tinha entre seus títulos as revistas Time, Life e Fortune,
convocou os norte-americanos a “aceitar de todo o coração nosso dever e
oportunidade, como a nação mais poderosa do mundo, o pleno impacto de
nossa influência para objetivos que consideremos convenientes e por
meios que julguemos apropriados” (SCHILLER, p.11, 1976).
Ele percebeu, com clareza, que a união do poder econômico com o controle
da informação seria a questão central para a formação da opinião
pública, a nova essência do poder nacional e internacional.
Evidentemente para que os planos de ocupação econômica pelas corporações
americanas fossem alcançados havia uma batalha a ser vencida: como
usurpar a independência de nações que lutaram por seus direitos? Como
justificar uma postura imperialista do país que realizou a primeira
insurreição anticolonial?
A resposta a esta pergunta foi dada com rigor pelo historiador Herbert
Schiller: “Existe um poderoso sistema de comunicações para assegurar nas
áreas penetradas, não uma submissão rancorosa, mas sim uma lealdade de
braços abertos, identificando a presença americana com a liberdade –
liberdade de comércio, liberdade de palavra e liberdade de empresa. Em
suma, a florescente cadeia dominante da economia e das finanças
americanas utiliza os meios de comunicação para sua defesa e
entrincheiramento onde quer que já esteja instalada e para sua expansão
até lugares onde espera tornar-se ativa” (SCHILLER, p.13, 1976).
Foi exatamente ao que seu setor de comunicações se dedicou. Estava com
as costas quentes, já que as agências de publicidade americanas cuidavam
das marcas destinadas a substituir as concorrentes europeias arrasadas
pela guerra.
O setor industrial dos EUA havia alcançado um vertiginoso aumento de
450% em seu lucro líquido no período 1940-1945, turbinado pelos
contratos de guerra e subsídios governamentais.
Com esta plataforma invadiram a América Latina e o mundo.
Com o suporte do coordenador de Assuntos Interamericanos (CIIA), Nelson
Rockefeller, mais de mil e duzentos donos de jornais latinos recebiam,
de forma subsidiada, toneladas de papel de imprensa, transportada por
navios americanos.
Além disso, milhões de dólares em anúncios publicitários das maiores
corporações eram seletivamente distribuídos. É claro que o papel e a
publicidade não vinham sozinhos, estavam acompanhados de uma verdadeira
enxurrada de matérias, reportagens, entrevistas e releases preparadas
pela divisão de imprensa do Departamento de Estado dos EUA.
A vontade de conquistar as novas “colônias” e ocupar novos territórios
como haviam feito no século anterior, no velho oeste, não tinha limites.
No Brasil, circulava desde 1942, a revista Seleções (do Reader’s Digest), trazida por Robert Lund, de Nova York.
A revista, bem como outras publicações estrangeiras, pagavam os devidos
direitos aduaneiros por se tratarem de produtos importados, mas
solicitou, e foi atendida pelo procurador da República, Temístocles
Cavalcânti, o direito de ser editada e distribuída no Brasil, com o
argumento de ser uma revista sem implicações políticas e limitada a
publicar conteúdos culturais e científicos. Assim começou a tragédia.
Logo chegou o grupo Vision Inc., também de Nova York, com as revistas
Dirigente Industrial, Dirigente Rural, Dirigente Construtor e muitos
outros títulos que vinham repletos de anúncios das corporações
industriais.
Um fato bastante ilustrativo foi o da revista brasileira Cruzeiro
Internacional, concorrente da Life International, que apesar de possuir
grande circulação, nunca foi brindada com anúncios, enquanto a
concorrente americana anunciava produtos que, muitas vezes, nem sequer
estavam à venda no Brasil.
Ficava claro que os critérios até então estabelecidos para o mercado
publicitário, como tempo de circulação efetiva, eficiência de mensagem e
comprovação de tiragem, de nada adiantavam. O que estava em jogo era
muito maior.
Um papel importantíssimo na ocupação dos novos mercados foi desempenhado
pelas agências de publicidade americanas. McCann-Erickson e J. Warter
Thompson eram as principais e tinham seu trabalho coordenado diretamente
pelo Departamento de Estado. Para se ter uma ideia a McCann-Erickson ,
nos anos 60, possuía 70 escritórios e empregava 4619 pessoas, em 37
países, já a J. Warter Thompson tinha 1110 funcionários, somente na sede
de Londres.
Os Estados Unidos tinham 46 agências atuando no exterior, com 382
filiais. Destas 21 agências em sociedade com britânicos, 20 com alemães
ocidentais e 12 com franceses. No Brasil atuavam 15 agências, todas elas
com instruções absolutamente claras de quem patrocinar.
No início dos anos 50, Henry Luce, do grupo Time-Life, já estava
luxuosamente instalado em sua nova sede de 70 andares na área mais nobre
de Manhattan, negócio imobiliário que fechou com Nelson Rockefeller e
seu amigo Adolf Berle, embaixador americano no Brasil na época do
primeiro golpe contra o presidente Getúlio Vargas.
Luce mantinha fortes relações com os irmãos Cesar e Victor Civita,
ítalo-americanos nascidos em Nova Iorque. Cesar foi para a Argentina em
1941 onde montou a Editorial Abril, como representante da companhia Walt
Disney, já Victor, em 1950, chega ao Brasil e organiza a Editora Abril.
Neste mesmo período seu filho, Roberto Civita, faz um estágio de um ano e
meio na revista Time, sob a tutela de Luce e logo retorna para ajudar o
pai.
Poucos anos depois, o mercado editorial brasileiro está
plenamente ocupado por centenas de publicações que cantavam em prosa e
verso o american way of life.
Somente a Abril, financiada amplamente pelas grandes empresas
americanas, edita diversas revistas: Claudia, Quatro Rodas, Capricho,
Intervalo, Manequim, Transporte Moderno, Máquinas e Metais, Química e
Derivados, Contigo, Noiva, Mickey, Pato Donald, Zé Carioca, Almanaque
Tio Patinhas, a Bíblia Mais Bela do Mundo, além de diversos livros
escolares.
Em 1957, uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados,
comprova que O Estado de São Paulo, O Globo e Correio da Manhã foram
remunerados pela publicidade estrangeira para moverem campanhas contra a
nacionalização do petróleo.
Em 1962, o grupo Time-Life encontra seu parceiro ideal para entrar de
vez no principal ramo das comunicações, a Televisão. A recém-fundada TV
Globo, de Roberto Marinho. Era uma estranha sociedade.
O capital da Rede Globo era de 600 milhões de cruzeiros, pouco mais de
200 mil dólares, ao câmbio da época. O aporte dado “por empréstimo” pela
Time-Life era de seis milhões de dólares e a empresa tinha um capital
dez mil vezes maior.
Como denunciou o deputado João Calmon, presidente da Abert (Associação
Brasileira de Empresas de Rádio e Televisão): “Trata-se de uma
competição irresistível, porque além de receber oito bilhões de
cruzeiros em doze meses, uma média de 700 milhões por mês, a TV Globo
recebe do Grupo Time-Life três filmes de longa metragem por dia – por
dia, repito… Só um ‘package’, um pacote de três filmes diários durante o
ano todo, custa na melhor das hipóteses, dois milhões de dólares”
(HERZ, p.220, 2009).
O Brasil e o mundo estão em efervescência. A tensão é crescente com
revoluções vitoriosas na China e em Cuba. A luta pela independência e
soberania das nações cresce em todos continentes e os EUA colocam em
marcha golpes militares por todo o planeta. A Guerra Fria está em um
ponto agudo.
É nesse quadro que a Comissão de Assuntos Estrangeiros do Congresso dos
EUA, em abril de 1964, no relatório “Winning the Cold War. The O.S.
Ideological Offensive” define: “Por muitos anos os poderes militar e
econômico, utilizados separadamente ou em conjunto, serviram de pilares
da diplomacia. Atualmente ainda desempenham esta função, mas o recente
aumento da influência das massas populares sobre os governos, associado a
uma maior consciência por parte dos líderes no que se refere às
aspirações do povo, devido às revoluções concomitantes do século XX,
criou uma nova dimensão para as operações de política externa. Certos
objetivos dessa política podem ser colimados tratando-se diretamente com
o povo dos países estrangeiros, em vez de tratar com seus governos.
Através do uso de modernos instrumentos e técnicas de comunicação,
pode-se hoje em dia atingir grupos numerosos ou influentes nas
populações nacionais – para informá-los, influenciar-lhes as atitudes e,
às vezes, talvez, até mesmo motivá-los para uma determinada linha de
ação. Esses grupos, por sua vez, são capazes de exercer pressões
notáveis e até mesmo decisivas sobre seus governos” (SCHILLER, p.23,
1976).
A ordem estava dada: “informar”, influenciar e motivar. A rede está montada, o financiamento definido.
O jornalista e grande nacionalista, Genival Rabelo, exatamente nesta
hora, denuncia no jornal Tribuna da Imprensa do Rio de Janeiro: “Há, por
trás do grupo (Abril), recursos econômicos de que não dispõem as
editoras nacionais, porém muito mais importante do que isso está o apoio
maciço que a indústria e as agências de publicidade americanas darão ao
próximo lançamento do Sr. Victor Civita, a exemplo do que já fizeram
com as suas 18 publicações em circulação, bem como as revistas do grupo
norte-americano Vision Inc.” (RABELO, p.38, 1966)
Mas é necessário mais. É preciso enfraquecer, calar e quebrar tudo que
seja contrário aos interesses dos monopólios, tudo que possa prejudicar
os interesses das corporações. A General Eletric, General Motors, Ford,
Standard Oil, DuPont, IBM, Dow Chemical, Monsanto, Motorola, Xerox,
Jonhson & Jonhson e seus bancos J. P. Morgan, Citibank, Chase
Manhattan precisam estar seguros para praticar sua concorrência desleal,
para remeter lucros sem controle, para desnacionalizar as riquezas do
país se apossando das reservas minerais.
Várias são as declarações, nesta época, que deixam claro qual o caminho
traçado pelos EUA. Nas palavras de Robert Sarnoff, presidente da RCA –
Radio Corporation of America – “a informação se tornará um artigo de
primeira necessidade equivalente a energia no mundo econômico e haverá
de funcionar como uma forma de moeda no comércio mundial, convertível em
bens e serviços em toda parte” (SCHILLER, p.18, 1976).
Já a Comissão Federal de Comunicações (FCC), em informe conjunto dos
Ministérios do Exterior, Justiça e Defesa, afirmava: “As
telecomunicações evoluíram de suporte essencial de nossas atividades
internacionais para ser também um instrumento de política externa”
(SCHILLER, p.24, 1976).
É esclarecedor o pensamento do delegado dos Estados Unidos nas Nações
Unidas, vice-ministro das Relações Exteriores, George W. Ball, em
pronunciamento na Associação Comercial de Nova Iorque:
“Somente nos
últimos vinte anos é que a empresa multinacional conseguiu plenamente
seus direitos. Atualmente, os limites entre comércio e indústria
nacionais e estrangeiros já não são muito claros em muitas empresas.
Poucas coisas de maior esperança para o futuro do que a crescente
determinação do empresariado americano de não mais considerar fronteiras
nacionais como demarcação do horizonte de sua atividade empresarial”
(SCHILLER, p.27, 1976).
A ação desencadeada pelos interesses externos já havia produzido a
falência de muitos órgãos de imprensa nacionais e, por outro lado,
despertado a consciência de muitos brasileiros de como os monopólios
utilizam seu poder de pressão e de chantagem.
Em 1963, o publicitário e jornalista Marcus Pereira afirmava em debate
na TV Tupi, em São Paulo: “Em última análise, a questão envolve a velha e
romântica tese da liberdade de imprensa, tão velha como a própria
imprensa. Acontece que a imprensa precisa sobreviver, e, para isso,
depende do anunciante. Quando esse anunciante é anônimo, pequeno e
disperso não pode exercer pressão, por razões óbvias. É o caso das
seções de ‘classificados’ dos jornais. Mas poucos jornais têm
‘classificados’ em quantidade expressiva. A maioria dos jornais e a
totalidade das revistas vivem da publicidade comercial e industrial, dos
chamados grandes anunciantes. Acho que posso parar por aqui, porque até
para os menos afoitos já adivinharam a conclusão” (RABELO, p.56, 1966).
Não é difícil perceber o quanto a submissão aos interesses econômicos
estrangeiros levou a dita “grande mídia” brasileira a se afastar da
nação. A se tornar, ao longo dos anos, em uma peça chave da política do
Imperialismo.
Em praticamente todos os principais momentos da vida nacional se
inclinaram para o golpismo e a traição. Já no primeiro golpe contra
Getúlio, depois, contra sua eleição, contra sua posse, contra a criação
da Petrobrás, contra a eleição de Juscelino, contra João Goulart, contra
as reformas de base, apoiando a Ditadura, apoiando a política econômica
de Collor, apoiando Fernando Henrique e suas privatizações, atacando
Lula.
Hoje, ela novamente tem lado: o das concessões de estradas, portos e
aeroportos, o dos leilões de privatização do petróleo e da necessidade
da elevação das taxas de juros, do controle do déficit público com
evidentes restrições aos investimentos governamentais, ou seja, da
aceitação de um neoliberalismo tardio.
Porque atuam desta forma?
Genival Rabelo deu a resposta: “Um industrial inteligente desta cidade
de São Sebastião do Rio de Janeiro me fez outro dia, esta observação, em
forma de desafio: ‘Dou-lhe um doce, se nos últimos cinco anos você
pegar uma edição de O Globo que não estampe na primeira página uma
notícia qualquer da vida americana, dos feitos americanos, da indústria
americana, do desenvolvimento científico americano, das vitórias e
bombardeios americanos. A coisa é tão ostensiva que, muita vez, sem ter o
que publicar sobre os Estados Unidos na primeira página, estando o
espaço reservado para esse fim, o secretário do jornal abre manchete
para a volta às aulas na cidade de Tampa, Miami, Los Angeles, Chicago ou
Nova Iorque. Você não encontra a volta às aulas em Paris, Nice,
Marselha, ou outra cidade qualquer da França, na primeira pagina de O
Globo, porque, de fato, isso não interessa a ninguém. Logo, não pode
deixar de haver dólar por trás de tudo isso…’ Outro amigo presente, no
momento, e sendo homem de publicidade concluiu, deslumbrado com seu
próprio achado: ‘É por isso que O Globo não aceita anúncio para a
primeira página. Ela já está vendida. É isso. É isso!’. ‘E muito bem
vendida, meu caro – arrematou o industrial – A peso de ouro’ ” (RABELO,
p.258, 1966).
*Delegado à Conferência Nacional de Comunicação, Secretário Municipal de Comunicação em São Carlos entre 2007 e 2012 .
Referências:
COLBY, G; DENNETT, C. Seja feita a vossa vontade: a conquista da
Amazônia, Nelson Rockefeller e o evangelismo na idade do Petróleo.
Tradução: Jamari França. Rio de Janeiro: Record, 1998.
HERZ, D. A história secreta da Rede Globo. Porto Alegre: Dom Quixote, 2009. Coleção Poder, Mídia e Direitos Humanos.
RABELO, G. O Capital Estrangeiro na Imprensa Brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966
SCHILLER, H. I. O Império norte-americano das comunicações. Tradução: Tereza Lúcia Halliday Petrópolis: Vozes, 1976.
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